A troca de argumentos, o discurso fundamentado e o gosto
Eis uma pequena prova de que o Cinema é construído com base no que foi feito previamente. Desta feita, temos Godard e um excerto de Une femme est une femme. E isto por motivos óbvios: Godard gosta de citações. Mas, para além de referências directas, temos outras não detectáveis tão facilmente, como é o caso da homenagem ao burlesco. Mas será que alguém duvida que, a dada altura, em Dans Paris não vimos também uma homenagem similar ao Cinema Mudo? Acaso as belas passeatas de Louis Garrel não trazem reminiscências de alguns planos tipicamente Nouvelle Vague? (de repente, vem-me à memória À bout de soufle). Provavelmente, só duvidará quem desconhece. Leia-se não viu...
E com isto entramos noutro ponto essencial: um filme idealmente - tal como um livro - tem vários níveis de leitura. Id est, é susceptível de ser encarado por vários prismas. Prismas esses que, obviamente, variarão consoante os conhecimentos daquele que se propõe analisá-lo. No nível mais básico temos o enredo - e algo que começa a ser outro hábito: analisar as performances dos actores. Parece que um filme começa e acaba aí -, a que se segue o encadeamento dos planos, bem como raccords ou movimentos de câmara, e, claro, detectar influências de terceiros. Obviamente, quanto mais se viu, mais fácil fica. Porque o olhar já foi sendo educado ou, se preferirem, foi sendo exercitado.
À guisa de Post scriptum: o ora escriba não viu assim tantos filmes como por vezes se pode pensar. Por esse motivo, tem o cuidado de não pecar pelo tom categórico e absoluto, pelo que procura (tentar) fundamentar o que escreve e partilha com terceiros. E, precisamente por não querer as vestes de crítico, não se arroga o direito de dar veredictos. Assim, mais do que sentenciar, procura trocar impressões, seguindo os ensinamentos da Teoria da Argumentação (veja-se Chaïm Perelman, por exemplo). Para esse efeito, tenta arquitectar um discurso argumentativamente coerente. Porque um discurso tem de visar persuadir um auditório. E, para tal, deve ser defensável, pelo que tem de ter como principal atributo a coerência.
E, claro, depois há sempre a questão do gosto. Há quem prefira Godard a Truffaut, et cetera. O que convém mesmo é explicar porquê. Se tal acontecer, em vez de uma sucessão de afirmações estéreis, temos argumentos. E os argumentos, obviamente, podem ser degladiados. E, a final, é precisamente isso que conta. Porque da discussão nasce a razão.