Interpretações memoráveis V
Por vezes o Cinema brinda-nos com aparições devastadoras. Tal é o que acontece em Une femme douce de Robert Bresson.
Nesta obra singular, somos brindados pela soberba interpretação de Dominique Sanda, a mulher que, logo no ínicio, se suicida e cuja vida conjugal vemos recriada num flash-back que está em contrabalanço constante entre a recordação dos tempos idos e o presente, marcado pelas confissões e lamentos do marido diante do corpo inanimado da mulher. Durante toda a obra avulta Dominique Sanda, cuja personagem (apenas "a mulher") surge como alguém absolutamente vazio, marcado pela ambiguidade, dado que tão depressa tem fugazes assomos de ternura para com o marido como o despreza, mostrando-se indiferente.
Tal como o marido contempla o corpo inanimado, tal como a obra é construída em (aparente) flash-back, Dominique Sanda surge, assim, envolta numa aura irreal, fruto da constante evocação de que é alvo. Mais do que o objecto inanimado - e o tom necrófilo da obra é manifesto - avulta o objecto sonhado e idealizado. Absolutamente irreal e, talvez por isso, terrivelmente perturbadora.
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