A transcedência estóica
Tão longe, tão perto.
Num Mundo em tons sépia, os Anjos existem desde o princípio das coisas. Incapazes de sentir, limitam-se a contemplar, do alto de uma estátua ou de um edifício, os habitante de uma Berlim dividida por um muro. Longe, porque é grande o distanciamento e perto, porque apesar de não serem vistos, estas criaturas puramente espirituais, assistem a tudo ao nosso lado, por cima do nosso ombro. Enternecendo-se, atingindo o desespero por ver alguém suicidar-se, sem poder evitar o resultado.
Estes Anjos, de certa forma, são estóicos: limitam-se a contemplar a existência, conformando-se com o que vêm. Só nunca saberemos se o fazem como caminho para chegar à virtude. Ora, a fragilidade de tal atitude é demonstrada: é impossível ficar a contemplar o Mundo sem sofrer (seja porque se vê alguém a ser atropelado, seja porque se vê alguém a morrer). Isto porque a atitude contemplativa tem de ter uma capacidade de encaixe muito grande. Ver tanta coisa atroz e ser capaz de permanecer imóvel implica espírito de missão. Ou seja, tem de haver combate, mas num plano interior. E é esse combate, essa tensão que estará sempre latente nos diálogos de Cassiel (Otto Sander) e de Damiel (Bruno Ganz).
Nesta cidade dividida por um Muro, o Céu é opaco, cinzento e não augura grande futuro. É pesado e a sua simples presença intimida e oprime. O céu sobre Berlim não é um paraíso. Podia sê-lo, mas resume-se a um puro estado contemplativo, em que Damiel e Cassiel tiram notas e comparam-nas, com o fito de tentar obter sensações verdadeiras. Uma profunda sensação de vazio domina-os. Incapazes de sentir, a sua omnisciência leva a que ouçam os pensamentos dos habitantes da cidade, como se de transmissões radiofónicas se tratasse. Tal como a cidade está reduzida a um monte de destroços e de escombros, também os seus habitantes são os estilhaços de um passado aguardando um futuro melhor. Neuróticos, obsessivos, perdidos. Eis os habitantes desta cidade perdida no passado.
Será Marion, a trapezista solitária que apenas encontra refúgio no Rock (naquele que é um momento de pura magia), um anjo pairando entre os homens, a despertar o afecto de Damiel. Damiel, que tudo viu, quer sentir e, a final, acaba por abdicar da existência eterna. Para sentir as emoções terrenas. Desde o cheiro do café, passando por um cigarro. Sentir. E veremos um Damiel exultante que deambula por Berlim bramando Schön! para espanto dos transeuntes.
Schön! É esta a palavra certa para definir Der Himmel über Berlin, ensaio sobre o transcendental e sobre o vazio das sensações. Passámos do omnipresente preto e branco, sinal da incapacidade de percepção dos Anjos e do seu distanciamento relativamente à Humanidade, para a Cor. A Cor que nos permite presenciar a maior história de todos os tempos e, mais importante, que faz com que saibamos o que nenhum Anjo sabe (Ich weiss jetzt was kein Engel weiss, diz-nos Damiel).
Num Mundo em tons sépia, os Anjos existem desde o princípio das coisas. Incapazes de sentir, limitam-se a contemplar, do alto de uma estátua ou de um edifício, os habitante de uma Berlim dividida por um muro. Longe, porque é grande o distanciamento e perto, porque apesar de não serem vistos, estas criaturas puramente espirituais, assistem a tudo ao nosso lado, por cima do nosso ombro. Enternecendo-se, atingindo o desespero por ver alguém suicidar-se, sem poder evitar o resultado.
Estes Anjos, de certa forma, são estóicos: limitam-se a contemplar a existência, conformando-se com o que vêm. Só nunca saberemos se o fazem como caminho para chegar à virtude. Ora, a fragilidade de tal atitude é demonstrada: é impossível ficar a contemplar o Mundo sem sofrer (seja porque se vê alguém a ser atropelado, seja porque se vê alguém a morrer). Isto porque a atitude contemplativa tem de ter uma capacidade de encaixe muito grande. Ver tanta coisa atroz e ser capaz de permanecer imóvel implica espírito de missão. Ou seja, tem de haver combate, mas num plano interior. E é esse combate, essa tensão que estará sempre latente nos diálogos de Cassiel (Otto Sander) e de Damiel (Bruno Ganz).
Nesta cidade dividida por um Muro, o Céu é opaco, cinzento e não augura grande futuro. É pesado e a sua simples presença intimida e oprime. O céu sobre Berlim não é um paraíso. Podia sê-lo, mas resume-se a um puro estado contemplativo, em que Damiel e Cassiel tiram notas e comparam-nas, com o fito de tentar obter sensações verdadeiras. Uma profunda sensação de vazio domina-os. Incapazes de sentir, a sua omnisciência leva a que ouçam os pensamentos dos habitantes da cidade, como se de transmissões radiofónicas se tratasse. Tal como a cidade está reduzida a um monte de destroços e de escombros, também os seus habitantes são os estilhaços de um passado aguardando um futuro melhor. Neuróticos, obsessivos, perdidos. Eis os habitantes desta cidade perdida no passado.
Será Marion, a trapezista solitária que apenas encontra refúgio no Rock (naquele que é um momento de pura magia), um anjo pairando entre os homens, a despertar o afecto de Damiel. Damiel, que tudo viu, quer sentir e, a final, acaba por abdicar da existência eterna. Para sentir as emoções terrenas. Desde o cheiro do café, passando por um cigarro. Sentir. E veremos um Damiel exultante que deambula por Berlim bramando Schön! para espanto dos transeuntes.
Schön! É esta a palavra certa para definir Der Himmel über Berlin, ensaio sobre o transcendental e sobre o vazio das sensações. Passámos do omnipresente preto e branco, sinal da incapacidade de percepção dos Anjos e do seu distanciamento relativamente à Humanidade, para a Cor. A Cor que nos permite presenciar a maior história de todos os tempos e, mais importante, que faz com que saibamos o que nenhum Anjo sabe (Ich weiss jetzt was kein Engel weiss, diz-nos Damiel).
Projectarmo-nos no mundo do sentir é projectarmo-nos no outro, vivermos dentro dele. É essa a nossa salvação. Talvez haja Anjos no Céu, mas Damiel ensinou-nos que eles estão entre nós.
3 Comments:
Belo, muito belo! E um dos meus filmes favoritos de Wim Wenders a par com 'Paris, Texas'. O resto da filmografia já não me diz tanto.
Belíssimo. Arte em Estado Puro. Poesia visual... todo e qualquer adjectivo elogioso é aplicável a este filme monumental. (bem como à continuação, "In weiter Ferne, so nah", apesar de, por vezes, termos uma sensação de "dejà vu").
E sim o "Paris Texas" (que também já mereceu tratamento por cá há dois meses) é fantástico. Tal como o "Der Amerikanische Freund" ou o "Lightning over water" ("Nick's movie", retrato duro e cru sobre a morte, com Nick Ray como protagonista e objecto de estudo.
:-)
Belo texto, Hugo.
Também o fui rever na Cinemateca no outro dia...
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