Juventude em Marcha
"Nha cretcheu, meu amor, o nosso encontro vai tornar a nossa vida mais bonita por mais trinta anos. Pela minha parte, volto mais novo e cheio de força. Eu gostava de te oferecer 100 000 cigarros, uma dúzia de vestidos daqueles mais modernos, um automóvel, uma casinha de lava que tu tanto querias, um ramalhete de flores de quatro tostõe. Mas antes de todas as coisas bebe uma garrafa de vinho do bom, e pensa em mim. Aqui o trabalho nunca pára. Agora somos mais de cem. Anteontem, no meu aniversário foi altura de um longo de pensamento para ti. A carta que te levaram chegou bem? Não tive resposta tua. Fico à espera. Todos os dias, todos os minutos, todos os dias, aprendo umas palavras novas, bonitas, só para nós dois assim à nossa medida, como um pijama de seda fina. Não queres? Só te posso chegar uma carta por mês. Ainda sempre nada da tua mão. Fica para a próxima. Às vezes tenho medo de construir estas paredes eu com a picareta e o cimento e tu, com o teu silêncio. Uma vala tão funda que te empurra para um longo esquecimento. Até dói cá dentro de ver estas coisas más que não queria ver. O teu cabelo tão lindo cai-me das mãos como erva seca.
Às vezes perco as forças e julgo que vou esquecer-me."
Eis a carta queVentura vai recitando, construindo e desconstruindo ao longo de Juventude em Marcha. A carta que está sempre em construção, em contraste manifesto com o bairro que vai sendo demolido e com o Mundo de Ventura que, gradualmente, vai sendo transformado em estilhaços. Carta em construção é certo. Apesar desse aspecto fragmentário, Ventura dá-nos uma soberba lição de humanidade e amor, ensinando-nos o verdadeiro significado de Nha cretcheu. Aquele que não vem nos dicionários.
Juventude em Marcha é o melhor filme do ano e dificilmente estreará filme que o supere. Eis uma certeza firme. Estreia amanhã.
Juventude em Marcha é o melhor filme do ano e dificilmente estreará filme que o supere. Eis uma certeza firme. Estreia amanhã.
27 Comments:
lá estarei, agora é passar palavra...para que filmes destes possam ser feitos sempre!
Lá estarei tb.
cumprimentos
Cette lettre est magnifique. Sincère, touchante, poétique. Une déclaration d'amour comme on en voit peu...
Quero revê-lo.
A carta é sem duvida um tesouro.
Que texto!
Que texto e, convém não esquecer este pormenor, que filme!
Dizer que o filme do Pedro Costa é bom "porque é português" (sic) é de uma parolice tremenda. Não tenho nada contra os filmes da nossa terra (terei sim contra o público português, já escrevi sobre isso no blogue A Bomba) e acho, bem pelo contrário, que temos grandes cineastas: Manoel de Oliveira, o saudoso César Monteiro, Fernando Lopes, o meu favorito João Canijo e outros. Mas não incluo o Pedro Costa na lista. No caso do Costa, creio que a grande razão do seu fiasco enquanto cineasta está no completo desconhecimento das técnicas dramáticas. O primeiro objectivo de qualquer obra dramática está na obtenção e manutenção da atenção do espectador através do suspense; só então é que o autor pode aspirar a finalidades mais nobres, como a promoção de uma ideologia ou concepção do cinema.
Talvez seja parolice. Mas atendendo ao facto de o Cinema Português quase cair no esquecimento, frases dessas têm de ser ditas para lembrar que o Cinema nacional existe. E di-la-ei quantas vezes for preciso.
Não vejo qualquer fiasco no Cinema de Pedro Costa. Entre outras coisas, há uma expressão que se lhe encaixa bem: Cinema-Verdade...
Ainda não é desta que o Costa me convence. Se calhar sou só eu que não encontro nada de sublime na Vanda a tossir para cima da filha ou a cuspir no chão do quarto. Este sim, deveria chamar-se "Coisa Ruim"...
Tivemos Camões e Pessoa, agora temos Pedro Costa.
Não é para levar à letra, mas vale à pena pensar nisto.
Gonn: não apreciar o Cinema de Pedro Costa, não lhe ver méritos, etc,... é digno da famosa expressão: "dá Deus nozes a quem não tem dentes" ou, em bom português, é sinónimo de não perceber nada de Cinema. "Cinema-verité" (Kino Warheit) devia ser uma expressão que já devia constar no teu vocabulário. Conhecendo-a, verias a excelência de Pedro Costa. E, sim, lido mal com quem fala mal do Cinema de Pedro Costa e Teresa Villaverde. É que são dos poucos marcos de modernidade que o Cinema em Portugal tem. E fazem tão bem ou melhor do que muito do que se traz lá de fora para inundar as nossas salas de cinema.
Respondendo a um ditado popular com outro: "Presunção e água benta, cada um toma a que quer"...
Sim, claro. Mas, pelo menos, o ora escriba sabe quem é Visconti e mais uns quantos autores fundamentais da História da Sétima Arte...
Cá estão mais uma vez os tais "generalistas..." que gostam de escrever de cinema, como se fosse um pueril brincadeira…
Ó meu amigo podia primeiro ler um pouco de Deleuze ou Daney, ou qualquer coisa pós nouvelle vague, Douchet por exemplo...para saber que a modernidade não é Spielberg, não é Kubrick, muito menos paul Thomas Andersom ou qualquer um desses jovens...isso vem do tempo do Griffith...
Modernidade em cinema começa por exemplo já em Renoir, Mizouguchi ou Welles, por causa da profundidade de campo...chama-se Godard ou Rivette...Straub, Duras, Monteiro e claro: Pedro Costa...fiasco? meu amigo, no japão ou em frança Costa está na mesma linha de Ozu – sim!
Just for the record: Hugo Alves aplaudindo Joseo de pé!
Hugo Alves: Pois então quem conhece a filmografia de Visconti sabe apreciar Pedro Costa, quem não conhece não sabe. Enfim, afinal é tão simples...
Joseo: Gosto de escrever sobre cinema, mas não gosto de adoptar uma atitude de superioridade intelectual com quem não concorda com a minha opinião. Sim, é só uma opinião, não uma verdade absoluta, essas deixo-as para as ciências exactas.
E não falei em Modernidade, apenas disse que não encontro qualidade em "Juventude em Marcha", que por mim até pode ser apreciado em Marte que não é isso que me fará mudar de ideias (que tal pensar pela sua cabeça em vez de justificar os seus gostos com opiniões de terceiros?). Ah, e por uma questão de coerência, não utilize a palavra "amigo" de forma tão... pueril ;)
realmente toca, mas eu mencionei algum nome específico?!?!...eheh, a carapuça...
não têm nada a ver com intelectualidade, têm a ver que é a minha área, percebe? e nessa área têm que se ler umas coisas e tal, para se poder escrever e discutir, não basta “manda-las” para o ar...
Gonn: a minha frase era uma referência directa às tuas lacunas cinematográficas (que são graves) e que já admitiste publicamente. Longe de mim ligar Visconti a Pedro Costa, porque são dois universos absolutamente distintos.
Para falar de Costa pode-se convocar Ford, msa também Jean-Pierre Straub e Danielle Huilet, Naruse ou, acho eu, até um Béla Tarr. Dito de outro modo, gente que não faz Cinema de pacotilha. Devo dizer que não gosto de manifestações alegres de ignorância. E também devo dizer que para se falar de Cinema - com algum conhecimento de causa - não basta ver um ou dois 007 ou afins. Há que ler umas coisitas e, sobretudo, educar o olhar. Isso faz-se vendo os verdadeiros mestres. Eis apenas alguns: Nicholas Ray, Sam Fuller, John Ford, Alfred Hitchcock, Jean Renoir, Jacques Beker, Jean-Pierre Melville, Jean Eustache, Jean-Luc Godard, François Truffaut, Rohmer, Rivette, Bergman, Jacques Tati, Sjöstrom, Wenders e, claro, Rossellini, Fellini, Visconti, Antonioni, irmãos Tavianni, Vittorio de Sica, Bernardo Bertolucci (o melhor dele foi feito nas décadas de 60 e 70), Pier Paolo Pasolini, Dario Argento, Sergio Leone, Tarkovsky, Guru Dutt, Yasujiro Ozu, Kenji Mizoguchi, Akira Kurosawa, Nagisa Oshima, Wim Wnders, R.W. Fassbinder, Werner Herzog ou Otar Iosseliani, só para citar alguns. Como se diz a dado passo em La comare secca "não se pode viver sem Rossellini"... Concluo com esta: o Cinema é um bocado como a Literatura: tal como os livros, os filmes são pejados de referências e influências...tenho dito.
E lá vens tu, para não variar, justificar a validade de um filme pelas supostas influências que nele encontras, como se um filme fosse automaticamente bom devido às suas citações mais ou menos óbvias. Já agora, será que não querias dizer Jean-Marie Straub em vez de Jean-Pierre Straub? Parece que leste mal algumas coisinhas... De qualquer forma, dele só vi "Sicília!" e, admito, consegue ser ainda mais embaraçoso do que "Juventude em Marcha". Também posso admitir, se te deixa mais satisfeito, que não duvido que conheças melhor o cinema clássico do que eu, por isso essa masturbação intelectual gratuita com o fim de tornares mais válida a tua opinião sobre o filme do Pedro Costa parece-me francamente dispensável. Ah, e não é que isso faça de mim alguém mais ou menos ignorante, mas nem sou especial admirador de 007.
Errarre humanum est, meu caro. E dizer isso de um Straub-Huillet diz tudo. Perdoai-lhes pois eles não sabem o que dizem...ah. Não é Cinema clássico. Clássico só na data. E não é mania. O Cinema é assim mesmo. Mas, claro, quando a contraparte é cega e surda nem sequer vale a pena insistir muito...over and out.
PS - aproveita o ciclo da Gulbenkian. Sempre colmatas lacunas.
Dos ciclos vou ao britânico, no King, e ao festival de cinema japonês, na Culturgest, mas talvez passe pelo da Gulbenkian também, obrigado.
masturbação intelectual gratuita?!?!?
viva ao simplismo/ignorância...
Salve, ó excelso iluminado!
Gonn1000, não nos conhecemos, mas o que estou a ler diz-me que és apaixonado de cinema, mas sem saber realmente o que é. Como o Hugo e o Joseo já disseram, não se pode olhar para o cinema contemporâneo sem primeiro conhecer as suas raízes nem influências anteriores. Não é ver todos os filmes desde o início do século XX, seria impossível e eu também tenho imensas obras ainda para descobrir, mas é começar para ver alguns filmes do cineastas citados nesta páginas - e logo verás o que é "ser cineasta". Porque não é divertir a malta. É propôr um olhar sobre o mundo, através de um dispostivo que se chama cinema, com as suas regras - técnicas, estéticas, morais.
Parece-me que se estão a esquecer de uma referenci obvia, presente no cinema de Pedro Costa, e que neste filme entra pelos olhos dentro. Refiro-me a António Reis e parece-me na minha humilde opinião que é tão fundamental como como Straub.
Uzi: Sim, claro. Infelizmente António Reis é muito esquecido. E com isto digo: "eu pecador me confesso"
bem....embora toda a discussão, refiro-me à carta como sendo sem dúvida e no mínimo tocante...
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