segunda-feira, agosto 27

Díálogos...

Em conversa com a sempre simpática Ana Soares veio esta conversa muito interessante sobre João César Monteiro e Luiz Pacheco. Tenha eu tempo e, a breve trecho, poderei recuperar/desenvolver algumas das minhas ideias sobre o assunto.

quinta-feira, agosto 23

Cinema sobre Cinema (!?)

i) Eis o mui inovador (mini) ciclo sugerido à Cinemateca.
ii) O Daniel, com razão, afirma que não estamos perante algo original.
iii) O Francisco, com igual razão, ressalva que se Mulholand Drive e In a lonely place estão incluídos na categoria, qualquer filme é um filme sobre cinema.
Por via de regra, um filme sobre filmes acaba por ter imanente uma reflexão profunda sobre o Cinema e as suas relações com os espectadores e com as obras feitas por outros. É isso que vemos, por exemplo, em Le mépris, de Godard (em bom rigor, em qualquer filme feito por um cinéfilo isso acontece. À cabeça, vejam-se os companheiros de armas da Nouvelle vague). Até o celebérrimo Nuovo Cinema Paradiso faz isso.
Mais: um filme sobre filmes é, sem sombra de dúvida Onde jaz o teu sorriso, de Pedro Costa. Basta ter presente que é um filme que, partindo da montagem de Sicilia!, aborda uma concepção de Cinema e um modo (peculiaríssimo) de fazer filmes. Lembro-me igualmente do filme que "baptiza" o blogue que propôs o ciclo, mas, também, uma outra visão do Cinema e do seu mundo peculiar: Kaagaz ke phool, de Guru Dutt.
Ademais, o filme sobre filmes pode ser uma coisa pós-moderna. Pode, pura e simplesmente, ser construído sobre um conjunto de obras prévias que servem de catalisador para criar, rectius recriar um género. E, assim, poderíamos ter Once upon a time in the west de Leone ou um qualquer policial estilizado de Jean-Pierre Melville: Le Cercle Rouge, que, como Le Samouraï, até tem um diálogo salutar com o Cinema oriental.
Esta não é uma questão de má vontade: pura e simplesmente, a escolha dos filmes do (mini) ciclo (metade deles!) é má (leia-se forçada) e desligada* do tema que lhe está na base. Erros à parte, é um (mini) ciclo tão inovador, como o eram as constantes projecções de Hitchcock na mesma esplanada.
Já agora, e à guisa de sugestão, por que não dar a voz quem percebe mesmo disto? Dar carta branca a realizadores da praça para organizar pequenos ciclos. Algo que, recentemente, foi protagonizado por Jorge Silva Melo.
Sugestão II (e só porque se fala, também, da Cinemateca Portuguesa): e uma retrospectiva dedicada à "docu-ficção" portuguesa? De Belarmino, de Fernando Lopes à obra de António Reis, passando pelo actual Pedro Costa e pelo Acto de Criação, de Oliveira, vai um conjunto de filmes que carecem de ser divulgados conjuntamente e não de forma espúria.
Sugestão III - Pensando bem, um ciclo dedicado ao Cinema Novo Brasileiro também seria algo interessante. Estranhamente, por cá, contrariamente à ficção para dona-de-casa desocupada criada além-Atlântico, não parece ser muito conhecido.
* obviamente, não se descarta a possibilidade de eu estar absolutamente errado...

quarta-feira, agosto 22

Amigos do alheio

Há uns cartazes do metro que avisam os incautos para tomar atenção aos carteiristas. Interrogo-me sobre se os carteiristas partilharão do mesmo conflito interior que o colega criado por Bresson.

domingo, agosto 19

O tempo e o lugar

"Because i know that time is always time
And place is always and only place
And What is actual is actual only for one time
And only for one place"

T.S.Eliot
Deste modo abre Directa, de Nuno Bragança. Se Nuno Bragança me conquistara logo às primeiras páginas de A noite e o riso, em Directa fiquei rendido. Pondo de parte os muitos méritos de Nuno Bragança enquanto romancista, fixemo-nos nos versos de Eliot, pois permitem interrogar-nos sobre a noção de tempo e espaço*. São únicos? Talvez. Acontece que a caixa de Pandora que só um bom filme é capaz de abrir, permite-nos acreditar na intemporalidade: um fotograma talvez não seja apenas um segundo cristalizado na fotografia. É um Mundo à parte, diferente, distante, etéreo. Sobrevive para além do fotograma e povoa a nossa imaginação, transformando-se em algo que impera, subjuga e seduz. O cinema é a verdade 24 vezes por segundo, mas uma verdade insidiosa, já que se vai transformando em verdade à medida que se afunda na memória do espectador. Diminui a fronteira entre memória, real e projecção na tela, para advir, por fusão, aquilo que conta: Cinema.
*Neste particular, só por comodidade ponho de parte a noção de tempo esculpido.

sexta-feira, agosto 17

Cinco...só Cinco?

Caro Luís, talvez porque vi uma referência ao Eustache, lembro-me logo do Jean-Pierre Léaud do La maman et la putain. Certamente porque é o "meu" filme. Irracionalidades à parte, lembrei-me logo de Klaus Kinski (Aguirre der Zorn Gottes ou Fitzcarraldo. É-me indiferente). Concordando com o Burton - e aqui não posso dizer I always contradict myself - e com os três inamovíveis (só porque o são e a gerência respeita regras), sobra mesmo pouco espaço.
Uma certeza: com Jannings não se brinca. Mas com o Stroheim que aparece em La grande illusion ou com o Gabin de Touchez pas au grisbi também não. E que dizer do sombrio Delon de Le Samouraï, esse exercício brilhante de não representação emque basta estar à frente da câmara? Que diabo, vem um top e naufrago sempre nos filmes do coração*.
Quanto a actrizes, basto-me com a Anna Karina do Vivre sa vie, a Rowlands de Faces, a Liv Ullmann (pode ser nas Cenas da vida conjugal) e a Leonor Silveira do Vale Abraão. Valem por cinquenta.
*coração à parte, também me lembrei do Chishu Ryu em Chichi Ariki, Jardel Filho no Terra em Transe e, pasme-se!, aquele que não sei bem quem é, mas assombra a minha existência constantemente de há (quase) um ano para cá: Ventura.
Adenda das 9 da madrugada: lembrei-me, também, do Serge Reggiani que aparece em Casque d'Or.

quarta-feira, agosto 15

Auto-análise (versão cinéfila)

Depois de (re)ver Torre Bela o meu ser, de certo modo, voltou a ter noção do Portugal que não viveu, mas sempre ouviu falar. Tal como também tomou contacto com atitudes flagrantemente portuguesas que, ao fim e ao cabo, não são de agora: parecem ser intemporais. É uma excelente desculpa para conhecer Portugal e os seus. Algo que, noutra escala - de impacto bem maior - já me sucedera quando vira Trás-os-Montes, de António Reis pela primeira vez: o Mundo que julgara conhecer escondia particularidades que o meu olho habituado a gestos quotidianos já não lograva ver. Conheci-me, conheci as minhas gentes, a geografia de um espaço que marca o carácter duro e agreste dos seus, tudo isto enquanto descobria Cinema.
Com Torre Bela a experiência é similar, embora de forma inversa: fica-se com uma certa nostalgia do que não vivemos e, por vezes, lamentamos a forma abrupta como o sonho cai. Algo que com António Reis nunca me aconteceu: vivi um sonho que continuou a dominar-me, ao ponto de me fazer ver de outro modo as gentes esculpidas nas serranias e de fazer com que procurasse, perdão tentasse ver o sonho, o onírico e o poético na mais banal pedra colada ao chão.

domingo, agosto 12

Modus Vivendi

Tomavam-no por louco. Sempre de olhos fixos nas pedras da calçada, olhar tímido e fugitivo. O gesto vago e impreciso. Alimentava-se de música clássica, literatura e, porventura, cinema. Afinal, aquilo que realmente conta. Porque não fôra (tal como ninguém é) apresentado devidamente ao mundo em que vive, esse universo dominado por uma corja insaciável, mas também por medos, inseguranças e invejas, qual alcateia cercando a presa solitária, optou pela vida de anacoreta, ora zombando aqueles com que era forçado a conviver, ora soltando os seus recônditos afectos relativamente aos outros pobres diabos com que se identificava. Foi e deu-lhes trabalho, mas nunca ignorando que não se devia meter na vida alheia, sob pena de lá ficar.
(um pensamento-certeza ligeiramente "deusiano")

sexta-feira, agosto 10

Z!

Ele vive, tal como este blogue que, nos últimos tempos, tem conhecido uma diminuição (drástica) na cadência de posts por factos imputáveis a terceiros. Prevê-se que, a breve trecho, se retome o ritmo normal.

domingo, agosto 5

Laughton: Intimações de morte

"Quando era uma criança, e pensava como uma criança, e falava como uma criança, Jane Frost apaixonou-se pelo caçador do filme de Charles Laughton.(...)
Naquele entardecer, muito tempo depois,, sentada nos degraus do alpendre, os pés descalços muito frios, os braços enlaçando as pernas, começou a cantar baixinho leaning, leaning, esperando ainda ouvir o seu canto ao longe, porque tinha a certeza de que ele se escondera nos arredores, vigiando a casa, e que voltaria de um momento para o outro, talvez para matá-la, talvez para pegar-lhe ao colo e levá-la para a cama, e fazerem amor, e era isso o que mais desejava, mesmo que dias depois a encontrassem no fundo do rio, com o cabelo ruivo espalhado na água como ervas dos prados."

Ana Teresa Pereira, Intimações de morte, Relógio d'Água, 2002, p. 11

quinta-feira, agosto 2

Envelhecer

"Aqui estamos mais uma vez sozinhos. Tudo isto é tão lento, tão pesado. Tão triste. Dentro de pouco tempo estarei velho: tudo então se acabará. Tanta gente que passou aqui por este quarto. Disseram-me coisas. Não me disseram grande coisa. Foram-se embora. Envelheceram. Tornaram-se lentos e miseráveis, cada qual no seu recanto da terra"
Numa semana dominada pelo vazio, é mais do que justo salientar a aridez provocada pela ausência física da persona João de Deus, o iconoclasta provocador, dono de uma obra singularíssima pautada pela ironia, cinismo e poesia. Basta ouvirmos as primeiras palavras das Recordações da Casa Amarela para comprovar a sua insubstituibilidade.