sexta-feira, novembro 10

The Departed*

Leonardo DiCaprio e Jack Nicholson em The departed
Com The departed, Martin Scorsese regressa a um território em que se move com total e absoluta naturalidade: o do sub-mundo da criminalidade. De qualquer modo, Scorsese, apesar de revisitar um Mundo que conhece bem, acaba por introduzir variações interessantes. Em vez de lidarmos com o mundo italo-americano, desta feita estamos em Boston, principal berço da comunidade irlandesa dos EUA.
Contrariamente ao que se verificou nos passos prévios da sua obra, The Departed não partilha do tom pomposo e feito à medida do Óscar que escapou às obras que o precederam. Efectivamente, apesar dos virtuosos movimentos de câmara que há muito são imagem de marca do Mestre Nova Iorquino, The Departed é um filme directo. Quer pela forma como é efectuado o enquadramento, quer pela violência que vai crescendo à medida que o tempo vai passando. Neste particular, sobressai o espantoso trabalho de edição de Thelma Schoonmaker (mais um!). Com efeito, teremos inúmeras sucessões de jump cuts, bem como uma mistura prodigiosa do som, que tão depressa desaparece abruptamente como ressurge em altos decibéis, contribuindo para criar uma sensação disforme e de estranheza. A mesma sensação de estranheza que domina Bill Costigan (Di Caprio), o polícia infiltrado que, a alturas tantas, é dominado pela desorientação e pela sensação de deslocamento provocado pela constante procura de identidade.
Num filme marcado por um bom ritmo (por vezes alucinante), os constante volta-faces são de eficiência manifesta, dado que trazem a incerteza. Incerteza que culmina numa sequência de pura apologia da vindicta privada, mascarada pelos habituais códigos do género: solidariedade e amizade entre aliados e respeito perante os inimigos. Aspectos que desde cedo marcaram o film noir e acabarão por ser importados para géneros afins. Este é, pois, um filme sombrio. E, se dúvidas houvesse, a apresentação de Jack Costello (jack Nicholson) trataria de as desfazer. De perfil, envolto na penumbra, sendo acompanhado por um belo travelling, apenas interrompido pela aparição de Collin Sullivan (Mat Damon) que, a final, não será a personagem angelical que esta primeira aparição anunciava.
Mais importante, se, inicialmente, é anunciado o clássico número polícia bom-polícia mau, acabaremos por verificar que, em bom rigor, não há qualquer maniqueísmo excessivo nesta obra, uma vez que em The Departed não há inocentes. Todos mentem, todos são movidos pelo instinto de vingança. Apenas os lados da barricada são diferentes e isso, per se, não justifica qualquer maniqueísmo.
Sendo assim, cabe perguntar o porquê de um ligeiro sabor a deceoção após mais de duas horas e meia de um belo exercício cinematográfico? Talvez porque a Scorsese se exige mais do que um remake. Mesmo quando esse remake é capaz de fazer esquecer que houve um filme inspirador. Mas há uma certeza: Scorsese está em forma. E recomenda-se.
* "Entre Inimigos" é mais um título que figurará nos anais do disparate, naquela que já é uma velha tradição lusitana.

13 Comments:

Blogger Francisco Mendes said...

Será um regresso às origens de "Mean Streets"?

A confirmar para a semana...

2:26 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

- Não quis ler o post na sua totalidade para não criar uma imagem povisória do filme. Quero estar a bruto para o ver.

Duas coisas:

1-tenho dificuldade em ver o Di Caprio.
Em geral acho-o demasiado enjoativo. Mas devo estar a ser um pouco injusto....

2-Não pude deixar de reparar na tua nota final sobre o título.
E concordo em absoluto: veja-se o caso de Little Miss Sunshine....

2:07 da manhã  
Blogger Hugo said...

O habitante: também nunca gostei muito do DiCaprio. Mas o Scorsese transformou-o no seu novo Bobby De Niro. E sim, as traduções dos título em Portugal caracterizam-se, por via de regra, por uma criatividade que se dispensa...

12:34 da tarde  
Blogger José Oliveira said...

quanto ao filme, já sabes o que acho: obra-prima...
...o titulo realmente, mais valia "infiltrados" como em muitos outros países...

9:36 da tarde  
Blogger Unknown said...

uma observação: aquele asterisco a segir ao titulo parece uma pontuação, 1 estrela!

1:05 da manhã  
Blogger Hugo said...

Harry, eu sei. Não se consegue arranjar melhor por enquanto :(

1:10 da manhã  
Blogger Hugo said...

Just for the record: se tivesse de dar estrelas ao este novo filme do Scorsese,a classificação roçaria as 5...

1:12 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Esta mania das estrelas para "notar" os filmes... não quer simplesmente dizer nada. Está assim tão na moda julgar os filmes por estrelas nos blogues que já não se reconhece um asterisco??

3:27 da manhã  
Blogger Miguel Domingues said...

Há muito, muito tempo que um Scorsese não me entusiasmava tanto. É um filme de temas requentados, mas servidos com um primor delicioso. E que dizer do desempenho demencial de Nicholson, quiçá o seu melhor de sempre?

Cumprimentos,
Miguel Domingues

4:17 da tarde  
Blogger Hugo said...

Miguel: O Nicholson tem o mérito de ofuscar todos os que giram à volta dele. Demencial ou não, é quase impossível ficar indiferente perante este monstro de palco.

5:34 da tarde  
Blogger Flávio said...

Sou um defensor acérrimo das traduções portuguesas dos títulos, que são em geral muito boas, e não é por eu ser tradutor de alemão. To make a long story short: quando estão em causa títulos de filmes, a primeira preocupação deve ser apelar ao público.

9:17 da tarde  
Blogger Hugo said...

Flávio: não digo que não. Mas há exemplos clássicos de coisas que não têm nada a ver. Ex: Vertigo=A Mulher que viveu duas vezes; Some Came Running=Deus sabe quanto amei; The French Connection=Os incorruptíveis contra a droga; e, mais recentemente, "Little Miss Sunshine"=Uma família à beira de um ataque de nervos...eu diria que ter de apelar ao público devia ter limites...

Alemão? Bolas! Talvez uma das línguas mais difíceis com que já lidei.

Obrigado pela visita. Serás sempre benvindo!

9:26 da tarde  
Blogger Tiago Barra said...

Um grande filme...

12:04 da tarde  

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