sexta-feira, dezembro 29

Balanço de 2006

(mini-post com o seu quê de umbiguismo) Assim. Sem tirar nem por. Com a virtualidade de o ora escriba ter experimentado os dois lados da barricada.
Resta-me, pois, desejar a todos um excelente 2007. Com muito Cinema (e bom, já agora), se possível.

quarta-feira, dezembro 27

Jean-Pierre Léaud, as duas faces da moeda

Tentar proceder à comparação dos desempenhos de Jean-Pierre Léaud, mormente sob a batuta de Truffaut e de Godard, é um exercício curioso. Com efeito, se em Truffaut topamos com personagens que primam pelo tom idílico e sonhador (neste particular, Antoine Doinel é exemplo paradigmático), em Godard lidamos com um jovem idealista, adepto fervoroso dos ditames do marxismo. De certo modo - e esta abordagem é propositadamente redutora - Jean-Pierre Léaud poderia funcionar como síntese dos dois grandes vultos da Nouvelle Vague. De um lado teriamos o Cinema total onde a liberdade criativa impera (Jean-Luc Godard) e de outra banda topamos com um Cinema que prima pelo seu rigor e precisão (Truffaut).
Como certeza fica o talento do grande actor que Léaud é (veja-se o recente Le pornographe). Acontece é que tal talento é obnubilado pelo sempiterno Doinel. O Lugar na História já ninguém lho tira. Resta, apenas, dar-lhe o devido valor.

sexta-feira, dezembro 22

Le déjeuner sur l'herbe

Le déjeuner sur l'herbe é um filme aparentemente peculiar. Não só porque vemos irromper a TV tela adentro de modo a permitir que o Professor Alexis instrua a população sobre as vantagens da reprodução artificial, mas também porque todo o filme é impregnado pelo tom cómico. Aliás, a par dos inúmeros acontecimentos que vão desfilando pela tela, julgamos estar perante um filme rudimentar (e é, de facto, pura aparência. Basta ver, por exemplo a inserção da TV dentro do écran ou o o recurso a várias câmaras para rodar o filme, com o inerente trabalho de montagem).
Mais do que o impressionismo que impregna o filme - veja-se a luz que irradia por todo o décor mas, também a auréola luminosa que rodeia Nénette - o que mais impressiona, passe a expressão, é a actualidade da temática abordada. Em 1959, Renoir, um cineasta que sempre primou pelo Humanismo, fez com que uma simples camponesa, Nénette, levasse um ilustre sábio, defensor da reprodução artificial, a abdicar de tudo para poder gozar os pequenos prazeres da vida. Porque, em bom rigor, devemos deixar-nos guiar pelo carpe diem. Em Le déjeuner sur l'herbe foi a necessidade de sentir e de estar em contacto com a Natureza e com o Outro que ditaram o abandono dos gestos graves, maquinais e ensaiados à exaustão. Porque tudo se resume à comunhão. Quer com o Outro, quer com a Natureza. Acima de tudo, por mais avançada que seja a Ciência, ela jamais poderá substituir o Homem, os seus gestos e os seus afectos. Eis a lição de Renoir.
Para mais pormenores, veja-se este pequeno ensaio.

quarta-feira, dezembro 20

A força do hábito

O Homem é uma criatura de hábitos. O quotidiano e os gestos automatizados, para além de trazerem o conforto e a segurança de gestos alheios que se podem adivinhar, acabam por dominá-lo. Com a repetição diária, de forma insidiosa, vamo-nos transformando em autómatos incapazes de perceber o porquê das coisas. Nem vale a pena tentar. Fazer um qualquer gesto costumeiro é mais fácil. Progressivamente, vamos deixando de ser, para nos transformarmos em algo insusceptível de ser classificado. Preferimos a passividade à participação activa. Bastamo-nos com o mero facto de sermos um qualquer receptáculo amorfo de ideias alheias. Felizmente, há sempre um Senhor Hulot para nos lembrar da estupidez de muitos dos nossos gestos quotidianos. O seu jeito trapalhão mostra que não é difícil convivermos com um qualquer pedaço de Criação. Basta querermos. Porque o Mundo não se resume ao Eu. Há sempre um Outro com quem podemos e devemos partilhar vivências.

segunda-feira, dezembro 18

Natal!

Graças à Bande à part, este Samouraï está muito agradecido. Porque pode rever um dos filmes de sempre: Umberto D. Ainda por cima, na excelente edição da Criterion.

Muito obrigado Wasted Blues e Nuno!!

domingo, dezembro 17

Bigger than life, uma viagem à loucura


Em Bigger than life Nicholas Ray dá-nos mais um exemplo do seu virtuosismo enquanto realizador. Houvesse de escolher um plano capaz de o resumir e ele seria o de um Avery (soberbo James Mason) fitando-se num espelho partido.
É com o quebrar do espelho que se opera a cristalização do destruir do Universo da família Avery. Com esse espelho quebrado, o universo que as personagens conhecem transforma-se numa sucessão de fragmentos, à imagem das várias fracturas que se vão desenhando no espelho. Mas é, também, o sinónimo da perda. Graças a esse espelho quebrado, Avery deixa de poder contemplar-se. Ora, para quem está invadido por uma febre megalómana, tal significa o seu desaparecimento, a insignificância da sua existência. Quebra-se o espelho e desaparece o Homem, dando lugar aos fantasmas que o dominam.
Bigger than life é, assim, o retrato da megalomania e da alucinação. Mas é, também, um libelo acusatório contra a mediocridade e a banalização da ignorância. O que não deixa de ser irónico, uma vez que Ed Avery apenas brandirá argumentos contra mediania em plena fase de delírio. Dir-se-ia que Nicholas Ray transformou o megálomano Avery numa metáfora dos EUA, uma vez que, inicialmente mais não é do que um mero conformista e, após o recurso à cortisona, a par das tomadas de posição de cariz fascista, não tem pejo em atacar alguns dos principais aspectos civilizacionais dos EUA: desporto, religião, ciências, história e disciplina, dando um retrato jocoso de um país menor e provinciano. Pior do que isso: conformista.
Ray "limitou-se" a desenvolver todo o iter que ditará o caminho para a perdição, id est o momento em que Avery passa para trás do espelho e cede à loucura. Nesse caminho temos todo o virtuosismo de Ray, que é capaz de transformar objectos adorados em instrumentos de tortura, como uma simples bola. Ora, é precisamente neste particular que Bigger than life também impressiona: pelo bailado de objectos que se vão sucedendo e vão ganhando diferentes conotações, consoante o estado de espírito de Avery.
Em Bigger than life tudo se quebra, tal como o espelho, à excepção das paredes da casa. A casa funciona assim como uma espécie de fortaleza inabalável que, mesmo após as tormentas, está apta a albergar os seus ocupantes.
Post scriptum, à guisa de curiosidade: Bigger than life, à imagem de In a lonely place, é um filme de pendor autobiográfico. Desta feita é Ray que se projecta em Avery, uma vez que à época o realizador vinha experimentado os efeitos da adicção ao alcoól e às drogas.

quinta-feira, dezembro 14

A morte do ideal

(excerto de Terra em Transe de Glauber Rocha)

terça-feira, dezembro 12

S'exploser!


Sempre admirei o final de Pierrot le fou. Por motivos que não importam, finalmente percebo-o: o simples acto de existir dói.

segunda-feira, dezembro 11

A Morte 24 vezes por segundo


Em Lightning over water, para lá do acto de amor e de admiração de Wim Wenders por Nicholas Ray, o que mais impressiona é o retrato desapiedado da Morte. A câmara, de modo implacável, capta o definhar diário, a cada segundo, de Nicholas Ray que, apesar de ser um cadáver ambulante, ainda encontra forças para querer trabalhar num derradeiro projecto: Lightning over water. E, certamente, não haverá plano mais intenso e fantasmagórico do que aquele em que o realizador grita para a câmara, fitando o espectador, Cut! Alguns segundos que parecem uma eternidada em que Ray fita a câmara e vem o epílogo.
Monólogo cortante e pleno de pulsão. Tal como o Cinema de Ray. É essa imagem que terá de se guardar. A do cineasta em luta constante com o studio system e que povoou o écran com personagens em conflito. Inadaptadas, não apresentadas de forma conveniente ao Mundo que as rodeia e acolhe. Um cinema povoado de emoções e pulsões. Tal como o último fôlego do seu autor, que encontrou forças para encarar de frente as câmaras, expondo de forma crua os seus últimos dias.

domingo, dezembro 10

The Searchers, a fronteira da porta


The Searchers começa com uma porta abrindo-se para John Wayne e conclui com a mesma porta fechando-se sobre ele. É, por assim dizer, como quem uma espécie de déjà vu, uma repetição. Se à medida que a porte se abre vemos a imensidão de Monument Valley apenas cortada pelo vulto de um homem montado a cavalo, a fechar sobrará apenas o fechar da porta a essa beleza. Com essa porta, Ford lança os alicerces de uma profunda reflexão sobre o comportamento humano em territórios e condições hostis. Reflexão onde reina a dimensão trágica da perda e a vontade cega de reunir a família que resta: é a procura pela desaparecida numa jornada quási-demencial.
A porta é uma fronteira. Representa a linha que divide dois Mundos. De um lado temos o sossego e o recato da casa e, mais importante, da família. Para lá da sua soleira fica o grande desconhecido, desenhado por uma geografia imponente e por perigos inóspitos. The Searchers é, de certa forma, uma viagem na procura da segurança do lar: só em família, com os entes queridos, é que Ethan Edwards (John Wayne) estará completo. The Searchers abriu a porta para Wayne, pois ele era o elemento que faltava à família Edwards. Fechou-se sobre ele pois Wayne trouxe a desaparecida para casa. Certas coisas não devem ser vistas e talvez tenha sido essa a intenção de Ford. Deixar-nos fabular sobre o verdadeiro significado da porta que abre e fecha. Gosto de acreditar que a porta fechada, rectius, que se fecha, representa o fecho do círculo familiar. O símbolo da sua reunião. A porta é, pois, uma espécie de eterno retorno - certamente não é à toa que Wayne pega em Debbie como quando ela era criança... É o regresso ao lar que outrora fora destruído e que, uma vez reunidos os membros remanescentes, pode renascer de molde a lançar as suas sementes no futuro.

sábado, dezembro 9

Implacável



Samuel Fuller, corria o ano de 1957, assinou Forty Guns e com ele marcou não a morte do western, mas sim o início da sua reinvenção, que viria a ser concluída magistralmente por Sergio Leone. Em Forty guns temos violência em estado puro, temperada/intensificada pela paixão de Griff e Jessica e de Chico e da jovem armeira. Quebraram-se as regras: vimos assassinatos pelas costas, uma explosão de violência num homícidio implacável à guisa de vindicta privada, o virtuosismo dos movimentos de câmara, planos cerrados dos olhares...mas, acima de tudo, impera Sam Fuller.

Sam Fuller, capaz de trabalhar o filme de género e o série B, fazendo-os oscilar entre a poesia e o grotesco. Forty Guns é um exemplo ímpar. Não só porque põe de lado alguns códigos do western, indiciando o fim do tom épico/mítico - de western só temos o cenário - mas também porque prova, se dúvidas havia, que o filme de género ou a série B dão grandes filmes. Algo que também os turcos da Nouvelle Vague cuidariam de demonstrar.

Similarmente, veja-se este texto do joseo.

quinta-feira, dezembro 7

Uma breve nota sobre Borat

Por mais que defendam Borat - conforme faz com bons argumentos Filipe Homem Fonseca - é conveniente deixar claro uma questão muito simples: Borat não é Cinema. Tal como não é documentário ou ficção. Quando muito é algo que fica no meio de uma ponte, observando as duas margens de um rio.
Borat limita-se a ser a mera expansão da linguagem televisiva, maxime de um qualquer programa de apanhados. O problema prende-se, sobretudo, com os meios utilizados para obter o resultado final. Baseiam-se no engano, são insidiosos e exploram o desconhecimento de terceiros. Isto não é evolução. É o afirmar da ausência de valores. Porque, no fundo, Borat limita-se a fazer tábua rasa de tudo e todos, recorrendo ao palavrão e ao humor banal para passar uma mensagem estéril. Tem de haver limites. Nem que mais não sejam os do bom senso. E em Borat esse é um bem escaso. Para não dizer esgotado.

quarta-feira, dezembro 6

La maman et la putain


La maman et la putain é um filme de alguém que ama o Cinema. É um acto de amor. Com ele Jean Eustache propôs, de certa forma, o regresso às origens da nouvelle vague, combatendo as tendências de estatismo - o Cinema de "Papa" - que Chabrol e Truffaut vinham manifestando.
Eustache, ao longo de 200 minutos traça um retrato duro dos filhos de 68, perdidos na imensidão do vazio, entre a esperança ingénua no amor que há de vir e o realismo cínico da certeza de uma realidade que nega tais anseios. Aqui é a palavra, desde o prosaico palavrão até ao discurso literário, que assume o lugar de destaque. Não só pelo tom teatral que pauta o discurso do trio amoroso à volta do qual gira o enredo - apenas cortado pelo pungente monólogo de Veronika - mas também pelo recurso à música como projecção dos sentimentos das personagens. Com efeito, veremos Marie absorta ouvindo Les amants de Paris de Edith Piaf, canção que define o seu estado de alma: vazio, em sofrimento, apaixonada por Alexandre.
Alexandre é o eixo à volta do qual giram duas mulheres: Marie (la maman), que lhe dá guarida, e Veronika (la putain), a jovem enfermeira que Alexandre conhece na esplanada de um café. Tudo se concentra em Alexandre (genial Jean-Pierre Léaud), um jovem egocêntrico que salta de paixão em paixão. Alexandre é alguém desligado da realidade. É amoral e dedica-se a representar perante tudo e todos: ele é um intelectual, um apaixonado...tudo para seduzir o próximo. Apesar de datado, La maman et la putain, mantém-se vivo, não só porque reflecte sobre o mais universal dos temas - as relações Homem-Mulher - mas também porque não deixa de ilustrar aspectos da vida moderna, como sejam a condição da mulher, o vazio ou a alienação, se bem que aqui em decorrência do gorar de Maio.
La maman et la putain marca. Porque contém uma premissa sinistra: a de que mais vale uma relação vazia do que uma existência solitária. Por esse motivo, quer Marie quer Veronika degladiam-se por Alexandre. Tudo vale para evitar a solidão. E, pelo meio, ficará o contraste entre a liberdade desta relação a três e a claustrofobia provocada pelo espaço exíguo do quarto. Em La maman et la putain, o quarto é sinónimo de opressão, de asfixia, contrariamente à falsa sensação de liberdade que as ruas de Paris oferecem e que permitem o espraiar dos movimentos e do discurso.
Tudo parece ser destituído de sentido. Os monólogos assemelham-se a um mero somatório de palavras vãs. Tal como a geração de Maio. Uma vez falhada a revolução estudantil, ficou o deserto. É nesse deserto que este triunvirato se movimenta, pondo a nu as incongruências de rituais sociais, do falso moralismo, mas, também, do seu próprio modo de vida, dado que não é movido por qualquer fim. Limita-se a combater, futilmente, o medo da solidão. Trata-se de um mero escapismo.
Eustache, filmando em condições espartanas*, contrabalançou essa frugalidade com a profundidade dos diálogos. A final, fica um retrato agridoce e despojado de esperança. La maman et la putain é o retrato de uma geração, mas é também a prova cabal do seu Amor ao Cinema, conforme se intui pelo facto de Alexandre encontrar sempre uma justificação num filme ou num realizador. E assim desfilam por nós Nicholas Ray, Charlot ou Mizoguchi. Porque Cinema é vida.
*Em bom rigor, nada que Eustache rejeitasse. Uma vez que o seu Cinema é pautado pelo profundo rigor, conforme poderão ver no Ciclo Integral Jean Eustache que ontem começou na Cinemateca.

segunda-feira, dezembro 4

Juventude em Marcha, uma obra-prima


Em Juventude em Marcha Pedro Costa regressa uma vez mais ao seu local de eleição: o Bairro das Fontainhas, verdadeiro Monument Valley do cineasta. Costa, como é seu timbre, oferece aos espectadores um filme denso e absorvente. Por vezes sufocante, tal é a sua obsessão por captar a realidade tal como ela é.
Estamos perante o narrar das deseventuras de Ventura, o Homem que ao longo do filme vai construindo e desconstruindo uma belíssima carta. Desde logo, temos o contraste entre essa corpus etéreo que vai sendo construindo e a realidade que envolve e aprisiona os seus personagens: um bairro que vai sendo demolido. E se digo aprisionar, é tão-somente porque Ventura e os seus filhos são reféns de um Mundo que não conseguem abandonar. São vultos fantasmagóricos que deambulam pelos estilhaços dos casebres, tal como são também eles estilhaços de um Mundo familiar que se quebrou.
Pedro Costa foi ao extremo. Da mesma forma que todos são prisioneiros de uma realidade a que não podem fugir - nem querem. Veja-se Ventura recusando entrar na nova casa por ter teias de aranha -, Costa acaba por aprisioná-los, em grandes planos onde impera o seu rosto duro e empedernido. Rostos moldados pelas agruras da Vida, do Tempo e do Espaço que os rodeia. Pedro Costa, um pouco à imagem de um Nick Ray, filma vencidos da vida. Mas, contrariamente ao Mestre Americano, em Costa todos acabam por se conformar tragicamente com o que o destino lhes oferece.
Juventude em Marcha é lento e arrastado. Essa é a intenção de Costa. Fazer com que o espectador tenha a noção do Tempo, sentindo os seus efeitos. É nesse ritmo que vamos saboreando os prazeres desta obra singular, que, na sua obsessão por captar a realidade, acaba por exagerá-la. E se esse Mundo é de uma dureza extrema, a Humanidade de Ventura não o é. Ventura, tal como a sua Carta, é lírico, tem sentimento e marca. Ventura é, pois, uma personagem de extremos: por vezes é apresentada em tons divinos, pairando sobre as Fontainhas, tal como por vezes nos surge como Homem que é, com os seus esplendores e misérias. Mas será sempre um Ventura desgarrado de tudo e todos, perdido no meio de nenhures, procurando agarrar-se à Vida através dos seus instintos paternais. Talvez seja, por isso mesmo, o sonâmbulo que refere Luís Miguel Oliveira.
Tal como Yasujiro Ozu, Pedro Costa filma com pormenor e domina a elipse. A Carta de Ventura é, talvez, a maior delas. Porque explica quem é Ventrura e para onde vai. Porque nos ensina que o Amor é tudo. Acima de tudo, convém não esquecer que é de uma Carta que falamos. Tem de ter um destinatário. É a mulher de Ventura, símbolo máximo do seu telurismo, da Cabo Verde natal. É, assim, também um indício de que Ventura não pertence a este Mundo. Pertence, pelo contrário, a outro abandonou.
Juventude em Marcha, apesar do seu aparente simplismo formal, esconde todo um Mundo de complexidade plástica, bem como de inspirações. Pedro Costa é Cinema e Juventude em Marcha - nunca é demais dizê-lo - é uma lição de como fazer Cinema. Mas é também um filme sobre a Palavra. Costa procurou absorver a tradição oral de uma Comunidade. É o filme do crioulo e do seu belo Nha cretcheu. Tal como é o filme onde cada diálogo contém uma reflexão sobre muita da História recente de Portugal. Não é à toa que vemos monólogos sobre o 25 de Abril, a febre da construção ou a vida no Bairro. Sinais de um tempo que já não existe, mas que ficam gravados para a posteridade na saga de Ventura e dos seus filhos.
Para uma análise competentíssima, vide os textos de Andy Rector, bem como o belo texto do Domingos Miguel.

domingo, dezembro 3

Bande à part ?


Segundo a Wasted Blues, foi criada uma espécie de Bande à part em que ela, este escriba e este ilustre se passeiam pelas salas de Cinema. Sendo assim, é chegada a hora de perguntar: vamos ter de inspirar-nos nesta cena mítica e praticar os passos de dança...?
Creio que não digo asneira se disser que esta "Bande à part" recebe de bom grado todos os que nos queiram acompanhar nas incursões pelas salas de Cinema. Juntem-se à malta!

sábado, dezembro 2

Borat, ou como insultar sem limites

Borat é um objecto que leva o insulto ao extremo. Se, numa primeira aproximação, o tom desafiador com que este repórter fictício se passeia pelos U.S. and A. faz com que se soltem algumas gargalhadas, a sucessão de gags gera o desconforto do espectador e o consequente silêncio.
Efectivamente, as imagens iniciais do Cazaquistão são o absoluto vilipendiar de um país. Fornecem uma imagem terceiro-mundista, atrasada, degradada e, pior, degenerada. Tão degenerada como o próprio tom de Sacha Cohen. Anti-semita, xenófobo, falsamente ingénuo, provocador. Eis alguns dos epítetos que se podem lançar sem problemas a esta personagem sui generis. Como objecto cinematográfico, Borat não tem grandes méritos. Tudo se resume à documentação da realização de um documentário sobre os E.U.A. em que uma viagem à Califórnia e as peripécias que a medeiam acabam por funcionar como fio condutor. Em termos latos - e forçosamente redutores - Borat mais não é do que uma série de apanhados em versão alargada.
Borat vale pelo seu tom provocatório. Sacha Cohen, rectius, Borat visitou e pôs a nu algumas das facetas típicas dos U.S. and A.. A título de exemplo cite-se o inflamado discurso num rodeo em que Borat exorta a Guerra no Iraque para gáudio da audiência. Mas, claro, há o extremo e segue-se o insulto aquando da altura em que canta o hino. Eis, pois, o choque de culturas fictício. Um falso ingénuo que se passeia pelos U.S. and A. cobrindo de ridículo o falso moralismo, as convenções sociais ou a histeria religiosa. Borat marca. Pela sua violência rude e sem freios. Pelo seu tom desafiador.
Poder-se-ia pensar que esta é uma espécia de Cinéma-Verité. Mas, em bom rigor, não pode ser. Borat é mais do que um produto híbrido. É um objecto novo e sem qualificação. Porque Borat é um catalisador/instigador de tudo o que se vai desenrolando. Provoca e a câmara capta a reacção. Não, há, pois a obsessão por filmar a realidade como ela é. Mas, apesar de tudo, capta fragmentos do real, tais como a reacção das pessoas. Mas haverá sempre um questão por resolver: será que os fins justificam os meios? Não terá Sacha Cohen exagerado na forma como humilhou e cobriu de ridículo aqueles com quem se cruzou? É importande dar alguns reflexos das contradições dos U.S. and A., é certo. Mas haverá sempre o problema da proporcionalidade.
Aliás, de certa forma, a questão já estava nas entrelinhas do "filme". Certamente não será coincidência o facto de uma das primeiras entrevistas de Borat ser sobre os limites do humor e sobre quais as piadas permitidas nos U.S. and A. Mutatis mutandis, a mesma discussão/entrevista terá de valer para Borat "filme" e Borat a personagem, se é que ambos podem ser dissociáveis.

Sobre Borat, vide este texto do Francisco Valente.