quinta-feira, novembro 30

A troca de argumentos, o discurso fundamentado e o gosto

Eis uma pequena prova de que o Cinema é construído com base no que foi feito previamente. Desta feita, temos Godard e um excerto de Une femme est une femme. E isto por motivos óbvios: Godard gosta de citações. Mas, para além de referências directas, temos outras não detectáveis tão facilmente, como é o caso da homenagem ao burlesco. Mas será que alguém duvida que, a dada altura, em Dans Paris não vimos também uma homenagem similar ao Cinema Mudo? Acaso as belas passeatas de Louis Garrel não trazem reminiscências de alguns planos tipicamente Nouvelle Vague? (de repente, vem-me à memória À bout de soufle). Provavelmente, só duvidará quem desconhece. Leia-se não viu...

E com isto entramos noutro ponto essencial: um filme idealmente - tal como um livro - tem vários níveis de leitura. Id est, é susceptível de ser encarado por vários prismas. Prismas esses que, obviamente, variarão consoante os conhecimentos daquele que se propõe analisá-lo. No nível mais básico temos o enredo - e algo que começa a ser outro hábito: analisar as performances dos actores. Parece que um filme começa e acaba aí -, a que se segue o encadeamento dos planos, bem como raccords ou movimentos de câmara, e, claro, detectar influências de terceiros. Obviamente, quanto mais se viu, mais fácil fica. Porque o olhar já foi sendo educado ou, se preferirem, foi sendo exercitado.

À guisa de Post scriptum: o ora escriba não viu assim tantos filmes como por vezes se pode pensar. Por esse motivo, tem o cuidado de não pecar pelo tom categórico e absoluto, pelo que procura (tentar) fundamentar o que escreve e partilha com terceiros. E, precisamente por não querer as vestes de crítico, não se arroga o direito de dar veredictos. Assim, mais do que sentenciar, procura trocar impressões, seguindo os ensinamentos da Teoria da Argumentação (veja-se Chaïm Perelman, por exemplo). Para esse efeito, tenta arquitectar um discurso argumentativamente coerente. Porque um discurso tem de visar persuadir um auditório. E, para tal, deve ser defensável, pelo que tem de ter como principal atributo a coerência.

E, claro, depois há sempre a questão do gosto. Há quem prefira Godard a Truffaut, et cetera. O que convém mesmo é explicar porquê. Se tal acontecer, em vez de uma sucessão de afirmações estéreis, temos argumentos. E os argumentos, obviamente, podem ser degladiados. E, a final, é precisamente isso que conta. Porque da discussão nasce a razão.

12 Comments:

Blogger MPB said...

Dans Paris, juntamente com Juventude em Marcha, é o filme que respira mais CINEMA. Seja Godard ou Demy e até a referencia explicita a Fuller e o seu Forty Guns no 1º, seja Murnau, Ozu ou Ford no 2º.

Duas obras imperdiveis por razoes distintas e embora a 2ª esteja anos luz acima de qualquer outra.

1:53 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Juste dire que "Une femme est une femme" est un film absolument génial! :)

12:42 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Hugo, Touché sobre a análise de filmes. Os vários níveis de leitura de um filme a que te referes, é o essencial sobre qualquer apreciação de uma obra de arte.
No entanto muita gente tem uma análise dos filmes muito estreita, como considerar a estrutura narrativa ou o acting como mais importantes do que a imagem ou a montagem, independentemente do filme. Como se existisse uma grelha de análise fixa e imutável. Seria como avaliar do mesmo modo um quadro de Velasquez ou de Picasso. Imaginem comparar Proust a Dan Brown, analisando qual deles conta melhor uma história segundo o pressuposto narrativo do cinema Norte Americano...
Se olharmos para o anterior post e para os comentários e substituir-mos o tema da discussão do Cinema por Pintura, veremos como essa discussão parecerá ridicula.

1:34 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Interessante o aspecto sobre o "hábito de analisar performances". Embora concorde que seja um ítem insuficiente para aquilatar a qualidade de um filme, parece-me que, no que diz respeito à maioria do cinema norte-americano, é quase impossível não tecer considerações sobre a "performance dos actores", pois há neles uma "verbalidade" e "representação" que exijem que se preste atenção a esse anível.

1:53 da tarde  
Blogger Hugo said...

Uzi: este era um complemento do "texto de guerrilha" como argutamente reparaste :-) E sim, a discussão nos termos que descreveste seria ridícula se "Cinema" fosse substituído por "Pintura".

Peeping Tom: obviamente, a performance do actor é importante. Mas há uma certa tendência para sobrevalorizar esse ponto.

7:57 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Sinceramente Hugo, agora fiquei desiludido, ainda mais quando neste momento revejo alguns dos teus posts anteriores. Apoiei-te no Texto Guerrilha, mas relendo-te e verificando o teu próximo passo, dei-to por terra toda a confiança que depositava no teu arrojo.

Não se trata de arrojo o que escreves. Dizes querer instigar o diálogo sobre Cinema, mas tuas expressões/citações revestem-se de um umbiguismo que extravasa as pessoas que atacas. Demonstras-te mais altaneiro que as pessoas que atacas, aquelas que para ti são reles por darem estrelas, ou por como dizes, tentarem vestir peles que não são delas. Pois esses ataques saem-te perfeitamente pela culatra.

É certo que certos gonns caem no ridículo com afirmações masturbatórias, mas com outro palavreado e aproximação enveredas por semelhantes linhas de redacção. O Miguel que postou no Texto de Guerrilha tinha absoluta razão: ninguém compreende o conceito de opinião pessoal. Julgas ter uma, mas ages com um decoro profundo por outros bloggers que não a partilhem. Daí até a H. ter ficado um pouco ofendida, apesar de prontamente teres negado tentar atingi-la. Verificava decoro e paixão no teu espaço, mas constato agora que tudo não passam de manobras empertigadas. Não te esqueças que as vestes que também tentas vestir, não se coadunam com o que és.

Até sempre.

9:18 da manhã  
Blogger Pedro Ludgero said...

Os assuntos mantêm-se, o olhar sobre eles transforma-se. Sempre pensei que "À bout de souffle" era uma mais ou menos inconsciente releitura de "You only live once".

Abraço

6:57 da tarde  
Blogger Hugo said...

Rui Alves:

i) Só tenho uma veste. A daquele que gosta de Cinema e tenta pensar sobre ele.

ii) Se calhar estes dois posts (este e o Texto de Guerrilha) não têm méritos. É provável. Talvez nem o blogue os tenha. Mas pelo menos fizeram nascer a discussão. Pena é que, por vezes (não é este o caso), o tom tenha sido baixo.

iii) Não há umbiguismo nem arrojo. Há o expor de um estado de alma. Nada mais. Pronto, concedo, dar azo a que o estado de alma ultrapasse os umbrais da privacidade talvez seja umbiguismo...

iv)O que se fez neste post foi uma leitura crítica (proprio sensu) dos textos que se vão lendo blogosfera fora. E não só.

v) Paralelamente, enunciaram-se alguns outros elementos que presidem a uma tentativa de análise (leia-se interpretação) de um filme.

vi) Um exemplo de análise. Godard dizia "o travelling é uma questão de moral". Eis uma frase que nasceu de múltiplos visionamentos (a tal educação do olhar...) que permitiram constatar que, por via de regra, mais do que um estilo, o travelling comunica o que dado personagem sente ou, em alternativa, procura traduzir a atmosfera que o envolve...

vii) concluo com as estrelas: virou moda, sim. Acontece que ao classificar um nível veste-se o papel de crítico, porque se dão notas. Acho é que para as dar convém ter (i) conhecimento de causa ou (ii) boa fundamentação do que se disse.

viii) A Helena não é para aqui chamada mas reitero: ela fundamenta o que diz e sabe do que fala. O manancial de filmes que ela vê justifica isso à suficiência. E escreve muito bem, também. O que é sempre importante.

ix) O Post "texto de guerrilha" começa com um A/C Gonn1000. Isso diz tudo. Se o tivesse apelidado de "carta aberta" haveria, provavelmente, menos polémica. Mas por isso foi qualificado como neo-abjeccionista. Visava provocar.

x) E provocou. Pelos vistos, provocou toda a gente menos o destinatário...

Tenho dito.

Cumprimentos

7:12 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Realmente, provocou toda a gente menos o destinatário. E ainda bem, porque o Gonçalo não tem que dar protagonismo a quem anda com crises de cotovelo.

4:14 da tarde  
Blogger Hugo said...

Luís Cardoso: tem DE rever, com alguma urgência, alguns aspectos de redacção...

4:19 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

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8:26 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

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3:23 da manhã  

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