quinta-feira, fevereiro 28

Finalmente visto!

Não o do título da imagem, esse Santo Graal como lhe chama o Rosenbaum, mas sim a versão curta de cerca de quatro horas e meia. Inenarrável, misterioso, intrigante: Out 1: spectre.

quarta-feira, fevereiro 27

domingo, fevereiro 24

Em jeito de acto de contrição

C., blogger de cultura inegável e que muito aprecio (o facto de apreciar Robert Walser e Cesare Pavese ajuda muito nessa simpatia), ou não fosse daquelas com quem aprendo muito, amofinou-se (passe a expressão) com esta nótula. Deixem-me fazer um mea culpa público:
i) Sim, este era um texto que não incidia directamente sobre Straub. Acontece que o achei adequado ao caso. Só isso. Provavelmente. como é hábito da casa, a língua, perdão, a rudeza do vocabulário traiu-me.
ii) Obviamente, Daniélle Huillet não é um braço criatiavo, é um plus. É co-autora, facto visível à exaustão no Onde jaz o teu sorriso?
iii) "Dínamo verborreico", precisamente porque nas conferências Straub era desbragado, vitriólico, acutilante e fulminante, faceta que muito aprecio. Daí o tal "contraste" com a justa medida dos filmes do casal Straub-Huillet.
iv) Era o Walser, se não me engano, que a dada altura escrevia "Sou um tagarela" (no Jakob von Gunten, julgo) e depoisi continuava explorando à exaustão a ideia, o pensamento e o limite da palavra. Straub também o era (salvas as devidas distâncias relativamente ao exemplo, claro)nas aparições públicas. O que mais lhe admiro é a depuração dos filmes, a sua coerência e, acima de tudo, uma ética férrea. Daí, até, que ache algumas das suas boutades absolutamente coerentes com a obra. Diferiam, apenas, na forma: excessivas e violentas.
Por ter criado o mal entendido e, também, por ter tido direito a comentário urbano que, como sempre, me faz aprender, eis, novamente, o mea culpa. Agora, e em jeito de "pedido", fica um: C., continua a brindar-nos com as tuas Lektionen. São muito apreciadas pela gerência deste estaminé.

Berliner Pressekonferenz

Jean-Marie Straub no seu melhor. Aqui (nur auf Deutsch). Um exemplo:

Aber es gibt so viele Filmemacher, die scheinbar Filme mit Leichtigkeit der Bewegung machen, daß ich keine Lust mehr habe, das zu machen. Die anderen machen das entweder besser oder sie haben die Illusion, sie schummeln vielleicht. Und warum sollte noch einer dazu das machen?
A atitudes destas eu chamo ética: ser diferente, lutar por uma concepção de Cinema própria e original. Com Jean-Marie Straub à palavra certa e justa, sucede uma tagarelice é certo, mas, convenhamos, até isso se perdoa quando estamos perante alguém que, conjuntamente o seu outro braço criativo, Daniélle Huillet, sabe dar a devida entoação a uma palavra, respeitando-a, elevando a actriz principal, devidamente conjugada com a austeridade que costuma rodear as personagens. Um contraste flagrante e fascinante, tal como o Cinema deste dínamo verborreico.

sábado, fevereiro 23

A ideia projectada e a corporização

Ontem vi, finalmente, um dos meteoros do Cinema do burgo: Rapariga no Verão, de Vítor Gonçalves. O filme é, de facto, muito bom. Talvez extraordinário (ainda pensarei nisto mais detidamente). Mas o que impressionou mesmo, mais do que o filme, esse jogo de luzes e sombras rodeando almas inquietas, foi a atitude do realizador: modesto, tímido, com dificuldade em falar. Dir-se-ia que a sua função era ser o corpo presente do homem que dá a conhecer a sua obra aos espectadores presentes. Ela fala por si.
Melhor, à pergunta: porque não fez mais filmes? saiu a resposta franca: pelos vistos entre a ideia e a obra corporizada no filme, ficou um grande hiato. A obra não responde à concepção de Cinema do autor que, despudoradamente*, assumiu a incapacidade de exprimir com exactidão no celulóide a sua concepção de Cinema. Houvesse mais gente assim. Ecoou-me logo uma frase ouvido ao Pedro Costa: O Vítor só não faz mais filmes porque não quer. Será este um exemplo de ética?
Em qualquer caso, boas notícias. Vítor Gonçalves fará um filme este ano. Aguardo com ansiedade.
* foi assim que percebi. Se calhar ouvi mal.

terça-feira, fevereiro 19

Estado de espírito desta tasca

sábado, fevereiro 16

O machado de Rivette

Rivette é, já se sabe, um cineasta singular em cujas obras o tempo é um elemento fundamental, furtando-se à economia narrativa convencional. Ne touchez pas la hache não é excepção, já que o constante jogo de sedução e de mal-entendidos fará com que as personagens principais cheguem sempre tarde a algo e, assim, contribuam para gravar a sensação da sua passagem em quem vê. Aliás, será esse próprio tempo a ditar o andamento das várias danças dos bailes onde a Duquesa e Montriveau se passeiam.

Em Ne touchez pas la hache* Rivette põe-se, ainda, perante o clássico problema da adaptação de livros. Todavia, ao invés do que é comum nestes momentos, o cineasta francês opta por uma adaptação fiel, não se coibindo de exibir intertítulos com excertos da obra que, simultaneamente, marcam as fronteiras temporais da acção. Uma mise-en-scène rigorosa, cheia de elementos que nos lembram uma realidade tão cara a Rivette: o teatro (à cabeça, as cortinas que abrem e fecham), cedendo o lugar a outra cena. Acontece que, sendo um filme de época, não somos confrontados com o clássico fausto cénico, já que é dada preferência à intensidade das emoções, já que esta é a história amarga da sedução e confronto de uma duquesa manipuladora e um general obstinado (Jeanne Balibar e Guillaume Dépardieu, respectivamente, que assinam duas interpretações notáveis).

Uma obra belíssima, onde para além de reencontrarmos a magia, a musicalidade e a beleza do francês de Balzac, topamos com a rigorosíssima mise-en-scène de Rivette: veja-se, por exemplo, o contraste da luminosidade que acompanha sempre a Duquesa de Langeais e da sombra rodeando Montriveau, facto que rima com os respectivos discursos. Aliás, e já que até temos intertítulos, poderíamos dizer, de forma redutora claro, que Ne touchez pas la hache é um complexo jogo de luz e sombras, mas tal seria abusivo, já que há muito pormenor que deve ser tido em consideração. Portas, por exemplo.

*espera-se, para bem do público, que tenha direito a distribuição em salas normais. Rivette, do alto dos seus 80 anos, continua em grande forma.

segunda-feira, fevereiro 11

A simplicidade subtil de Jarmusch

1 - Não há regras: o Cinema é uma forma aberta.

2- Não te deixes apanhar pelos imbecis: as pessoas que financiam os filmes, que os distribuem, que asseguram a sua promoção ou exploração comercial não são cineastas.

3 - A produção deve estar ao serviço do filme

4 - Fazer um filme é um processo colectivo: se não queres colaborar com outras pessoas, vai antes pintar um quadro ou escrever um livro.

5 - Nada é original

Destas regras de outro*, a número 5 é a mais interessante e, simultaneamente, a que melhor define Jarmush, aluno de Ray e adepto confesso de Ozu e Bresson. O seu Cinema é o equílibrio perfeito da modernidade, da tentativa de experimentação e, simultaneamente, o equilíbrio da linguagem formal (clássica?) do Cinema. É algo que se movimenta neste frágil equílibrio, num limbo instável, capaz de conjugar referências óbvias às obras maiores do Cinema e ao movimento punk. Tal como nos filmes do seu Mestre, topamos com vencidos, inadaptados, mas aqui sobressai a quietude, a tristeza e, sobretudo, a complacência. Mais importante, esta regras, formuladas de forma tão seca e simples, tal como o Cinema que corporizam, são depuradas, despidas do excesso. Concentram-se no essencial e, fazendo-o, escondem uma complexidade quase inesgotável, aspecto que  distingue um grande realizador de um vulgar tarefeiro ou de um fanfarrão que faça "filmes".

*adaptadas e, sobretudo, simplificadas (cortou-se, propositadamente, a explanação das mesmas, salvo nos casos identificados (regra n.º 1, 2 e 4).

domingo, fevereiro 10

Potente

O meu amigo Miguel bem me dizia que o filme de Mungiu era potente, mas, após o visionamento, confesso que as expectativas saíram ultrapassadas em larga medida.

Chamem-lhe Nova Vaga*, mas, acima de tudo, ponham-lhe o substantivo certo: Cinema. Sirva de exemplo 4 luni, 3 saptamani si 2 zile, de Cristian Mungiu, cineasta que neste filme consegue conjugar a austeridade do mise-en-scène com o uso eficaz e inteligente da handycam, permitindo entrar, perdão, sentir a personagem que acompanha. Mais do que um retrato sociológico ou a denúncia de um regime extinto ou mesmo uma tomada de posição sobre a questão do aborto, é um filme sobre a clandestinidade e os seus códigos. Afinal, a saga das duas amigas que se vêm com um aborto nas mãos é uma viagem aos meandros do bas fonds romeno, enquanto, simultaneamente, se vai pondo a tónica nas fracas condições de vida, no mercado negro, et cetera.

Seco. Frontal e directo, não se coibindo, sequer, de nos poupar a ver a prova do aborto que serve de motivo ao filme. Em claro contraste com a secura do estilo, rimando, também, com a austeridade do mundo das amigas Otília e Gabita, fica a intensidade das emoções. Um realismo cru, permeado de momentos a roçar o surreal - como a negociação do preço do aborto - sem nunca cair no exagero. In one word: emotion, como dizia Fuller.

* Será Vaga, porque, cronologicamente, irrompe num período muito próximo, já que, tanto quanto o escriba sabe, não é um movimento dotado de conteúdo programático. Em qualquer caso, uma visão de conjunto de outras obras permitirá avaliar melhor esta faceta

quarta-feira, fevereiro 6

What's wrong with you?
Let me think about that.

São muitas as cenas comoventes, mas esta, definitivamente, marcou-me, ou não estivesse eu a projectar-me no écran. Cena recorrente e que uma avisada interlocutora me fez reviver, projectando-me de novo. Oficialmente, The Darjeeling Limited deixou-me KO. Acho que já se notava.

terça-feira, fevereiro 5

Perder-se num olhar

domingo, fevereiro 3

Projecção (mais uma)

Ir ao Cinema* é um ritual que formalmente começa no rasgar do bilhete de quem nos indica o lugar e acaba no acender de luzes no fim da película. Ritual formal, porque a sua matéria não acaba, contínua viva na mente do espectador de ocasião que viu, sentiu e viveu dramas alheios e continua a projectá-los na sua vida, aquela do dia-a-dia, da confusão do trânsito, dos prazos urgentes e das alimárias com quem tem de se ir cruzando. Quando o filme é bom, geralmente é-o porque toca o espectador - a intelectualização sobre o que se viu é coisa para se fazer depois se houver vontade - atingindo o recanto mais escondido do seu ser.
Tudo isto, ainda, a propósito do The Darjeeling Limited: a viagem espiritual dos três irmãos fez lembrar o escriba de serviço da necessidade de encontrar-se e purificar o interior que, por ver tanta distorção do Direito, esse trsite que, por vezes, parece um contorsionista de primeira categoria, assemelha-se a um cadáver em decomposição avançada. O reencontro com o Eu, algures na Índia, embalado pelas belíssimas músicas instrumentais fez reavivar projecto antigo: mochila às costas e ala para o Tibete. Rais parta se não é desta. Na pior das hipóteses, a Índia. Afinal, também a serenidade de India: Matri Buhmi sempre me cativou. A mesma serenidade que o corropio diário impede e nega.

* o único que merece tal nome é o de Autor, já se sabe.

sexta-feira, fevereiro 1

Reencontrar-nos


O melhor elogio que se pode dar a um filme é dizer que nos toca, que nos faz reencontrar. Que, por qualquer motivo, nos dá uma lição de Vida. The Darjeeling Limited é tudo isso: desde a combinação das músicas de Satiajit Ray passando por Joe Dassin e, sobretudo, os Kinks. Mas, é mais: a procura do Eu, o reencontro connosco e com os que nos são caros, tendo como pano de fundo as cores tépidas da Índia, a sua pobreza material, compensada pela espiritualidade inspiradora e pela dolência das suas músicas. Cinema como deve ser: com mensagem, harmonia na forma e, mais importante, um vibrar constante de emoções. Mais do que uma intelectualização sobre o que se viu, este é um filme que merece (deve!) ser vivido e sentido. Tal como a sua banda sonora eclética, The Darjeeling Limited é um concerto prodigioso de Humanidade. É, à imagem da viagem que motiva o filme, uma viagem espiritual.