sábado, março 31

Il caimano, um filme sobre filmes

Il caimano, mais do que um melodrama familiar envolvendo os esplendores e misérias de um produtor de filmes de série B, é um filme sobre filmes, tal como é um filme sobre a Itália contemporânea e um filme com outro filme lá dentro. Confusos? Vamos por partes:
(i) Filme sobre filmes: através de Bruno, o produdor decadente, Moretti transporta-nos a uma pequena reflexão sobre o cinema italiano. Desde as comédias de Risi, passando pela decadência do seu símbolo máximo: a Cinecittà.
(ii) Filme sobre a Itália: a história do filme no filme, Il caimano, é o meio utilizado para Moretti tecer as suas considerações sobre a Itália contemporânea. Fá-lo através da figura de Berlusconi, transformado numa espécie de bode expiatório dos males italiano.
(iii) Filme no filme, que mais não é do que o filme sobre Il caimano. E aqui reentra a reflexão sobre o Cinema, consubstanciada no retrato de alguns episódios que vão desde a concepção do filme até à rodagem do (portentoso) monólogo final.
Este realidades díspares têm em Bruno, o produtor à beira do fim que apoiará o filme sobre Berlusconi, o denominador. Precisamente por querer jogar em vários tabuleiros e em frentes diversas, Il caimano, apesar de ser um belo retrato do Universo de Moretti, não tem o golpe de asa que o permitiria voar ao estatuto de obra-prima ou afim, já que na ânsia de tudo abarcar, acaba por diluir-se em aspectos mil.
Apesar de tudo, saliente-se o tom incontido, quiçá raivoso, de Moretti para com a sua Italietta. Mais do que um filme feito contra e por causa de Berlusconi, Il Caimano é a visão que Moretti tem de Itália. Resta, agora, ver se o final apocalíptico de subversão popular contra o poder judicial será um mero indício de pessimismo ou uma antevisão do futuro.

quinta-feira, março 29

Fim não. (Re)começo (post ligeiramente autobiográfico)

...ou de como, quando menos esperamos, abraçamos de novo a vida, os que não são caros e nos redescobrimos, criando e recriando. Na sequência final de "Otto e mezzo" é precisamente isto que vemos: a redescoberta e o abraçar da vida. Guido, o cineasta em crise, logo após o falhanço da conferência sobre o seu novo filme (com o consequente suicídio mental), imagina um filme completamente novo e começa a dirigi-lo. Porque aquilo que julgamos ser o fim, nunca o é verdadeiramente. E assim vem o carrossel da vida, com o tapete estendido e as portas abertas, sempre prontos a servir de cenário ao espectáculo circense a que aquela se resume. Como bónus temos a inesquecível pauta do mágico cúmplice de Fellini: Nino Rota.

quarta-feira, março 28

Ditador...

À guisa de esclarecimento: o único ditador que a redacção deste blog preza é o da foto que se segue.

segunda-feira, março 26

Normalização igual a degradação

(Louis Skorecki, via As Aranhas)
Se quisermos generalizar esta afirmação a outras áreas, veremos que ela é absolutamente acertada. Pensemos no caso da literatura contemporânea: virou moda incensar Philip Roth, que até já conquistou três Pulitzer. Ora, também é interessante interrogarmo-nos sobre o porquê dessa unanimidade. Repare-se que outro escritor americano, bem mais polémico, parece ter sido esquecido pela crítica: Norman Mailer. A resposta mais óbvia, e também a mais cómoda, consiste em apontar baterias para os lóbis. Outro exemplo: Pérez-Reverte é um sucesso de vendas e parece fazer esquecer Javier Marías...
Repare-se que estamos perante um fenómeno comum a todas as áreas. Afinal de contas, qual o Júri de um Festival que não é insensível a pressões externas? Iosseliani, por exemplo, referia isso mesmo a propósito de um episódio havido num ido Festival de Berlim. Trata-se de algo imanente à natureza humana.
Se é certo que os filmes (ou os livros, ou as músicas) só são maus porque o seu público também o é, cumpre, pois, pugnar pela elevação dos padrões. Algo que, creio, estará nas mãos dos críticos, a quem se pede a separação entre o trigo e o joio. Generalizando um pouco mais, talvez seja, também, oportuno curar de tratar das responsabilidades das distribuidoras. Com efeito, a partir do momento em que o lucro é colocado cegamente a critério reitor da sua actuação, fica claro que os cinemas ditos alternativos não têm grande espaço de divulgação*. A continuar assim, teremos, pois, um lento e progressivo exercício de normalização e homogeneização cultural.
Reinará o pântano intelectual e a consequente preguiça mental: é mais fácil ver cenas movimentadas, repletas de tiros e explosões - e, já agora, com moçoilas de formas voluptuosas e em trajos menores - do que diálogos "estáticos" num qualquer filme. Entre o plano de 10-15 segundos que Hollywood impõe e os planos longos europeus (passe o lugar comum), o espector prefere a comodidade da sucessão rápida de imagens. Pensar incomoda como andar à chuva.Está visto. Aliás, basta reparar no facto de Letters from Iwo Jima não ter sido muito apreciado pela maioria dos espectadores (blogosfericamente falando...), em comparação a objectos menores e desnecessários como El labirinto del Fauno ou Babel.
Sendo assim, cabe perguntar se haverá sequer a hipótese de sonhar com a derrota desta lógica comercialista errada, que, a breve trecho, terá efeitos nefastos sobre todos. Os sinais de alarme estão aí. Talvez seja chegada a hora de os tentar inverter. Concretizando um pouco mais: quantas gerações perdidas para o Cinema serão necessárias em Portugal para que algo mude? Há que esperar, pois, que a máxima do Princípe de Salina não se aplique: É preciso mudar algo para que tudo fique na mesma. Sabe-se que a inércia é a força motriz da Humanidade, mas convenhamos que há limites.
* o mesmo vale, mutatis mutandis, para outras áreas (Literatura, música, et cetera)

domingo, março 25

Branca de Neve e os 7 anões

...numa deliciosa variação screwball de Howard Hawks, Ball of Fire, onde coisas tão triviais como o ensimesmamento do estudioso e a consequente auto-reclusão aparecem de braço dado com o desejo sexual, disfarçado e desculpado com a nobre tarefa de ter de redigir uma enciclopédia.

sexta-feira, março 23

Inevitabilidade trágica

Se é certo que o Homem constrói e guia o seu próprio destino, também é inegável que Jean-Pierre Melville procura negar essa evidência. Em Le cercle rouge, o vermelho do giz, para além de sinónimo de sangue e morte é também o símbolo da unidade do destino dos cúmplices de Corey, bem como do próprio plano que se propõem levar a cabo. Será o círculo que os guiará e que ditará o que desde cedo se avizinha: a inevitabilidade da morte.
Tal como a frase que abre Le Samouraï - Il n'ya de plus profonde solitude que celle du Samouraï si ce n'est celle d'un tigre dans la jungle...peut-être... - também em Le cercle rouge temos uma frase anunciando o motto do filme (ver foto). Ambas são da autoria de Melville e ambas resumem o conteúdo programático do seu Cinema. Porque, no fim de contas, para lá do rigor e meticulosidade do seu estilo, Melville elabora profundos ensaios sobre a existência. Não há maior melancolia e dimensão trágica do que a do cenários urbano. Melville, percebeu-o melhor do que ninguém e curou de glosar e ilustrar as variações que este cenário frio e abstracto impõe.

quinta-feira, março 22

Moretti

Uma vez que hoje estreia "Il caimano", em jeito de aperitivo, eis um travelling "turístico" (e, porventura, moral) de Moretti. Afinal de contas, muito do seu Cinema é uma reflexão acutilante sobre a Itália contemporânea, uma espécie de travelling panorâmico sobre a sociedade que tão bem conhece (e não só, claro). Sa cosa stavo pensando, caro Moretti?

quarta-feira, março 21

Tirem-me deste filme (!?)

Quando o ora escriba tem, absolutamente, de ler o livro Der Forderungsgebundenheit der Sicherungsrechte (tese de doutoramento do jurista alemão Ekkehard Becker-Eberhard), um catrapázio de 750 páginas, só há duas reacções lógicas: (i) imitar o gesto de Anthony Perkins/Norman Bates e (ii) esperar que o ora escriba não se transforme num Guido Anselmi, versão jurídica (com as devidas distâncias, obviamente. Falta a genialidade do realizador protagonista de Otto e mezzo). Vecchio Snaporaz!

terça-feira, março 20

Desejo de normalidade

Em Il conformista (publicado entre nós pela "Livros do Brasil"), Alberto Moravia glosa e tece variações sobre dois dos temas recorrentes da sua obra: a amoralidade e o desejo de normalidade. Na adaptação cinematográfica, Bernardo Bertolucci assina um dos seus melhores filmes (a par de Prima della Rivoluzione e La strategia del Ragno).
Ao invés de adoptar a estrutura narrativa linear da obra de Moravia, Bertolucci constrói o filme a partir de uma sucessão de complexos - e deslumbrantes - flashback's, aliados ao experimentalismo do autor, desde alguns planos oblíquos, passando por cenários opressivos (veja-se o Gabinete do Ministro, de um branco hermético, apenas manchado pelo fato escuro daqueles que por ele passam), que confluem para simbolizar a ascensão e queda do fascismo. Fica, pois, a educação de Marcello Clerici como exemplo: um homem de passado obscuro que tenta apagar incidentes comprometedores do passado e que não se coíbe de agarrar oportunidades para abraçar um novo presente, como se pode ver no segmento final em que acusa um velho motorista de fascista.
Bertolucci não deixa, assim, de demonstrar um dos traços mais negativos da personalidade humana: o oportunismo. Mas oferece-nos, também, o retrato do papel da individualidade num aparelho organizado de poder: não há lugar para ela. Todos são substituíveis e não passam de assassinos de substituição. Daí que haja uma total e flagrante ausência de sentimentos básicos. Tudo se resume a cumprir uma tarefa (por mais execrável que seja) e, por vezes, assistir de forma contemplativa à execução da mesma, como se pode ver no excerto supra.

domingo, março 18

Jardins en Automne

Vincent, ministro do Governo francês é demitido e, em consequência, perde todas as regalias que acompanham o seu posto. Acto contínuo, ao invés de cair em depressões profundas ou ser dominado por ataques de raiva, opta pelo regresso à sua condição de cidadão comum, voltando, para o efeito, ao seu velho apartamento.
Com esse regresso, vem também a (re)descoberta dos pequenos prazeres: desde os passeios sem destino pela cidade, passando por tertúlias gastronómicas. É a mudança de posto que traz uma total e completa reorganização da escala de valores. De forma simplista, pode-se dizer que o dever cede o lugar ao prazer. Estamos assim perante um dos traços do Cinema de Iosseliani: a primazia do prazer, visto como meio de obter a felicidade.
Nesa procura, temos, ainda, a oportunidade de topar com a mundividência de Iosseliani, que não deixa de satirizar, de modo cruel, o mundo da política, enquanto nos oferece uma saudável convivência cultural, já que pelo filme vemos confraternizar padres ortodoxos, japoneses, africanos...
Em Jardins en Automne ganha força a ideia de que os homens comuns poderão atingir mais facilmente a felicidade, dado que não estão sujeitos às restrições de figuras públicas - Vincent é, pois, o exemplo prototípico. Mas ganha também relevo o desencanto para com o Mundo, já que assistimos a um voltar de costas à realidade e à consequente necessidade de procurar a felicidade num qualquer outro local.
Resta agora esperar que Jardins en Automne tenha distribuição comercial. Seria um crime se tal não acontecesse.

À guisa de macguffin



O facto de Michel Piccoli desempenhar o papel de mãe em Jardins en Automne, de Otar Iosseliani deve ser o pormenor que menos importância tem em todo o filme, que, diga-se de passagem, é soberbo.

sexta-feira, março 16

A quoi penses-tu, Séverine?

quinta-feira, março 15

Mimos cinéfilos


Ver, no espaço de dois dias, dois dos meus Buñuel favoritos é uma uma verdadeira prenda: Belle de Jour e Le charme discret de la bourgeoisie. Como extra, e em jeito de intermezzo, há ainda Belle toujours de Manoel de Oliveira e Jardins en Automne de Otar Iosseliani, ambos em ante-estreia. Impossível resistir. No sítio do costume, claro.

quarta-feira, março 14

Violência destilada

Obras como Tokpapi ou Du Rififi chez les hommes - que marcaria o início oficial do noir francês -consagraram Dassin como um mestre do noir, mas toda a sua mestria já estava latente em Brute Force e, sobretudo, The naked city.
No caso de Brute Force temos o acumular da violência, que transborda em dois momentos-chave: (i) o homicídio de um informador numa prensa tipográfica e (ii) o motim final onde presos e guardas se degladiam. Mas, em qualquer caso, impera o jogo de luzes e sombras: não vemos homens. Apenas espectros que se movimentam por entre a escuridão dos corredores da prisão.
Brute Violence é sinónimo de violento, cru e directo. Mas também amoral, já que nem o sádico guarda prisional ou o abnegado presidiário parecem mover-se por objectivos nobres: apenas se guiam pela satisfação pessoal, facto que nos é lembrado ao cair do pano, quando assistimos a uma frase lapidar: todos estamos em prisões. Dir-se-ia, pois, que tudo se resume a fugir aos constrangimentos que nos limitam (não apenas, obviamente, no plano físico).

terça-feira, março 13

Das Leben der Anderen

É muito raro ficar emocionalmente ligado a um filme. Uma dessas raras excepções - no que ao Cinema contemporâneo diz respeito - é Das Leben der Anderen, filme que vai resistindo em algumas salas do país.
Poderia falar na filiação "clássica" do enredo: afinal, a mudança comportamental de Wiesler parece fazer eco da de Montag, o funcionário perfeito de um regime que acaba por aderir à causa rebelde. Mas há algo que sobressai para além disso. Trata-se da criação de um ambiente opressivo, tão opressivo como o sistema inquisitorial da Stasi. Das Leben der Anderen insere-se, assim, na vaga que leva o povo germânico a fazer um acerto de contas com o seu próprio passado. Fazendo-o, todavia, não deixa de ter um cariz universal já que acaba por nos mostrar o funcionamento de aparelhos organizados de poder, do Estado total que não permite aos seus cidadãos ter um único esgar de liberdade. É o Estado que não quer Homens, mas sim Máquinas. Autómatos controlados e sempre dispostos a obedecer às ordens.
Filme sobre um passado, mas, também, filme-manifesto que lança um aviso às gerações vindouras, de molde a que estas não repitam os erros do passado.
Para uma impressão mais objectiva, veja-se esta crítica do Kino Zeit (auf Deutsch).

segunda-feira, março 12

Andam faunos pelos bosques ?

Poder-se-ia pensar que sim. Todavia, após ver El laberinto del Fauno fica-se com uma sensação de absoluta decepção. Com efeito, o argumento, passe a expressão, ligado ao Mundo real, aquele que vive na ressaca da Guerra Civil de Espanha peca por ser absolutamente esquemático e previsível. Passados 10-15 minutos já se tem a perfeita noção de quem é quem e do que vai acontecer. Coisa que num filme que quer viver de ambientes é sinónimo de fracasso.
O filme em si não passa de puro entretenimento. Fica, quando muito, o virtuosismo de Del Toro enquanto criador de ambientes, já que o restante, para além de recorrente no género, nada tem de novo. Senão vejamos: catapultar a fantasia através de um qualquer facto real, a estereotipada criança devoradora de livros, et cetera. Fica um exercício forçado - e esforçado, presume-se - mas não mais do que isso.
Quanto a faunos, prefiro, definitvamente, os que constam do título de um romance de Aquilino Ribeiro (o mesmo que serve de título ao post).

sexta-feira, março 9

O velho gringo

«Que vem um gringo fazer ao México?» interrogou-se o coronel.
«Os seus olhos vinham repletos de orações», e se o velho gringo não leu os pensamentos daqueles que o viram descer das montanhas metálicas em direcção ao deserto, repetiu as suas próprias palavras escritas para lhes anunciar de longe que «este pedaço de humanidade, este exemplar de sensações agudas, esta mescla de homem e animal, este humilde Prometeu, vinha rogando, sim, implorando o dom do nada. À terra e ao céu de igual maneira, à vegetação do deserto, aos seres humanos que o viram chegar, esta encarnação sofredora dirigia uma oração silenciosa:"Vim para morrer. Dêem-me vocês o tiro de misericórdia."»
Carlos Fuentes, O velho gringo (tradução de Gringo viejo por António José Massano), Publicações Dom Quixote (excerto retirado da p. 29 da edição do Círculo de Leitores)
Nunca vi o filme, mas o livro é um dos meus preferidos.
[reparo agora que um post sobre Il conformista desapareceu. A culpa é do Blogger, devidamente auxiliado pelo YouTube]

quinta-feira, março 8

Ainda Fassbinder

Será que alguma editora lusa terá a lata/coragem de lançar isto a preço acessível? Rezam as crónicas (auf Deutsch, in english) que a exibição na Berlinale, após uma maratona de perto de 18 horas de projecção, teve direito a ovação. Um bom indício, espera-se, da qualidade do restauro (e não só, obviamente).
Parafraseando o título de uma crónica, pode-se dizer que, em Fassbinder, o Cinema é mais do que uma História (em alemão apenas).

quarta-feira, março 7

Nunca mais chega Abril...

Até lá, eis uma pequena amostra - in casu, um excerto de "Liebe ist kälter als der Tod" - do mais do que aguardado ciclo integral dedicado a Rainer Werner Fassbinder, o homem com um débito lendário: um filme a cada cem dias (mais coisa, menos coisa).

segunda-feira, março 5

Pensamento solto

Sempre que penso no papel de Ingrid Bergman na obra de Roberto Rossellini, vem-me à cabeça, de forma invariável, o título de um filme de Luís Buñuel: Cet obscur objet du désir. No fundo (e lá vai mais uma afirmação redutora), é esse o grande papel de Bergman na obra do Mestre italiano: cada um dos seus filmes, para além de ser um testemunho do ponto de situação da relação de ambos, é também uma declaração de amor de Rossellini à sua musa.

sábado, março 3

Livros e Cinema: o King (post "autobiográfico")

Um frequentador assíduo das salas de Cinema dificilmente deixará de gostar do King: está instalado numa zona pacata e por lá vão passando, por via de regra, alguns dos melhores filmes do circuito comercial. Quando, para além de cinéfilo, também se é leitor compulsivo, o actual King pode mesmo transformar-se num caso sério de adicção. No meu caso, depois de hoje, enquanto fazia horas para (finalmente) ver Das Leben des Anderen, ter encontrado perdido numa das prateleiras esta pérola do Luiz Pacheco (que eu julgava absolutamente esgotada)...

...ainda por cima a um preço convidativo e num excelente estado, fiquei absolutamente rendido. Como se não bastasse, a livraria em si é simpática. Tal como o Cinema. Espera-se, pois, que esta renovação de imagem, com a consequente melhoria dos serviços oferecidos, seja um casamento perfeito. Para bem do King e dos cinemas, passe a expressão, alternativos que por lá costumam passar. O público agradece também.

quinta-feira, março 1

Cinema e Política: Z, de Costa-Gavras

A abrir Z, de Costa-Gavras - entre nós traduzido por Z, a orgia do Poder - somos confrontados com um militar que discursa sobre os males do seu tempo. In casu, é comparado o míldio a uma outra praga, mas de origem intelectual, o comunismo que, no seu entender, é sucessor de outros -ismos: anarquismo, bolchevismo, et cetera.
[Ouvindo esse discurso de teor marcadamente fundamentalista e demagógico, não consegui deixar de fazer a ponte para uma determinada forma de fazer política em Portugal geograficamente localizada na dita Pérola do Atlântico e tendo como epicentro um senhor que vem zombando do País há vários anos.]
Fechando o parêntese momentâneo, em Z, filme adaptado em romance homónimo de Vassilis Vassilikos, assistimos à ascensão ao poder dos militares na Grécia, baseando-se, para o efeito, na repressão (que se faz sentir, principalmente, na orquestração do deputado Lambrakis) e na demagogia. É com Z que se inicia uma tradição que dominará os anos 70: o filme político. Todavia, talvez nehum outro tenha sabido estabelecer tão bem o doseamento entre a realidade social e política e os dramas que os vários elementos do enredo vão vivendo. Provavelmente, o segredo da sua fama lendária, a par da esplendorosa banda sonora de Mikis Theodorakis, resida nesse particular.
Como nota final, sublinhe-se que Gavras e o argumentista Jorge Semprún, logo a começar não se coibem de colocar o seguinte aviso no écran "toda e qualquer coincidência com factos ou pessoas reais é intencional". Trata-se de cinema empenhado é certo. Mas, em qualquer caso, é sempre de louvar esta "política de transparência" dos autores do filme. Todos fossem assim.