O Rio
The River é um filme de uma beleza indesmentível. Nela Jean Renoir dá-nos nova prova - como se tal fosse preciso - de todos os seus atributos enquanto cineasta.
(à guisa de raccord com este post)
Talvez depois de verem (ou, mais provavelmente, reverem) o excerto de Singin' in the rain percebam, finalmente, a beleza de não usar guarda-chuva.
Persona é sinónimo de máscara, de papel social. Basta atentar no facto de, em tempos idos, ser essa a designação da máscara que os actores usavam nas representações teatrais. É, pois, uma máscara, algo capaz de disfarçar o nosso Eu. Daí que Persona de Ingmar Bergman seja um filme sobre esse desdobramento, sobre a projecção do Eu e sobre a manipulação da personalidade alheia. É o filme dos grandes planos dos rostos etereamente belos de Liv Ulmann e de Bibi Andersson, mapas em constante mutação, em virtude dos sentimentos que as vão dominando. Mas é, também, um dos mais acabados exemplos de metalinguagem que, num jogo demoníaco, nos levará a duvidar se nos vimos dentro de um filme, dado que, logo a abrir, vimos o aquecimento de um projector.
Talvez este seja um filme avesso à interpretação, talvez a sequência inicial seja a cristalização de elementos desenvolvidos durante o filme - que redundaria, assim, na elipse perfeita - ou, pura e simplesmente, talvez esta seja uma pura sucessão de imagens que mais não são do que os versos iniciais de um poema belíssimo.
Uma coisa é certa, é mais um dos exemplos da mestria e genialidade diabólicas de Mestre Ingmar Bergman.
Mais do que o solilóquio em tons de fábula que Lady in the water encerra, o que é deveras impressionante no filme de M. Night Shyamalan é o espaço onde se desenrola a acção. O complexo de apartamentos, sendo o território onde decorre toda a acção, acaba por funcionar como o cenário de um filme de câmara, onde a piscina, sendo o centro geográfico deste mapa, é um altar onde se procura a purificação e a libertação. Pelo meio, temos o complexo de apartamentos, curioso mapa onde cada fracção, mais do que mera projecção do seu habitante, é um Mundo apto a ser explorado.
Imponente, este espaço aparentemente finito, acaba por encontrar a projecção, rectius, o seu desenvolvimento numa piscina, que mais não é do que a porta para um Outro Mundo. Para além de ser dos mais curiosos cenários vistos nos últimos anos, a forma como as várias células comunicam, seja através de corredores ou portas, contribui para nos dar um tom de aconchego quase familiar. Algo que tem tudo para ser frio e distante, acaba por dar-nos conforto, e, simultaneamente, faz-nos sentir prisioneiros graças a esses vasos comunicantes. O filme é lucidamente triste, mas este mapa mundi que representa o complexo de apartamentos mostra o toque de Shyamalan enquanto esteta. Acaso fosse mais explorado este pormenor e talvez esta pudesse ter sido, noutros moldes, a recriação do cenário barroco e obsessivo de Le procès de Orson Welles.
Um homem entra num saloon, trémulo e pouco confiante. Ignorado e ridicularizado por todos, Dude (Dean Martin) verá um dos presentes lançar uma moeda para um escarrador. É para lhe pagar uma bebida. Vencido pelo vício, rende-se à humilhação e apanha a moeda. Acabará por ser preso pelo sheriff Chance, depois de o tentar agredir.
Num filme que assenta num dos pilares básicos da ideologia do western - a solidariedade - Howard Hawks acaba por dar-nos um dos mais sublimes exemplos de redenção. Dude, o alcoólico, precisará descer ao nível mais baixo para recuperar a auto-confiança e a crença nas suas capacidades. Inicialmente confrontado com uma esmola no escarrador, Dude acabará, posteriormente, por não ceder, redimindo-se, assim, perante si e perante toda a Comunidade. Algo que, aliás, é um dos alicerces deste filme. Basta atentar que o sheriff Chance teve de contar com o auxílio de um jovem pistoleiro, de um alcoólico e de um velho coxo para poder impor a Lei. Trata-se, pois, da redenção dos proscritos, dos marginalizados que, qual fénix renascida, têm em Rio Bravo lugar de destaque.
Aliás, não deixa de ser sintomático - e altamente simbólico - as alcunhas das várias personagens do filme: Chance, Dude, Stumpy e Colorado. Mais do que um sinal de rejeição do invidualismo, estas alcunhas acabam por ser um dos sinais de coesão deste grupo irmanado e reunido por mero acaso. Porque, o mais das vezes, apenas o esforço conjunto é recompensado.