quarta-feira, outubro 4

Desconstrução de um género

Fotograma de The good, the bad and the ugly

Não deixa de ser sintomático que alguns dos melhores westerns sejam peças que, pura e simplesmente, torneiam as regras que dominam o género em que se inserem. Com efeito, não é por acaso que Johnny Guitar - talvez o mais belo filme de sempre - coloca duas mulheres como principais contendoras e em que os bons aparecem vestidos de negro. Este carácter insubmisso de Johnny Guitar, obra maior de Nicholas Ray, de forma subreptícia, acaba abrir a porta à crise da moralidade que qualquer western contém.
Se Nicholas Ray acabou por fazer uma mudança na continuidade, seria Sergio Leone quem viria a desconstruir o western clássico. Fazendo uso de personagens amorais, em Leone temos uma visão amarga do Homem, uma criatura que faz e desfaz amizades ao sabor da conveniência. É, também, com Leone que surgirá o iconográfico homem sem nome, ele que, inicialmente, é uma personagem que vai agindo ao sabor das circunstâncias, para, a final, acabar por ter tiradas capazes de nos levar à reflexão - I've never seen so many men wasted so bad, dir-nos-á, contemplando a carnificina de uma batalha por uma ponte.
Leone, profundamente admirador dos westerns clássicos - não é à toa que no seminal Once upon a time in the West, temos referências a Shane, Johhny Guitar, High Noon ou Duel in the sun, desconstrói o género, sublimando-o. É precisamente esta a pedra-de-toque da evolução do Cinema enquanto Arte: é um produto histórico e acaba, forçosamente, por ter de se ancorar em tudo o que foi feito anteriormente, para poder progredir.
Porque para desconstruir um género é necessário conhecer bem o objecto de estudo em causa.

2 Comments:

Blogger Ricardo said...

É verdade o que dizes, o cinema é feito de desconstrução, citação, e algumas coisas novas. Por isso é que eu nunca acredito quando vêm certos "intelectuais" da praça nacional e internacional, dizer que há uma crise de assuntos em cinema. Eles que saiam e dêem lugar a gente nova!

1:28 da tarde  
Blogger Hugo said...

Eu acho que não há uma crise de assuntos. Apenas uma crise na exteriorização das ideias. Não é à toa que acho que o travelling é uma arte em extinção...

11:56 da tarde  

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