quinta-feira, outubro 19

A imensidão do espaço (aparentemente) finito II

Fotograma de Le Trou

Dificilmente se pode conceber um filme tão directo como Le Trou de Jacques Becker. Neste filme que nos conta evasão falhada de um grupo de presidiários, a frugalidade impressiona. Sem banda sonora, diálogos directos, humor acutilante e actores amadores. Perante tanta simplicidade, avulta o buraco (Le trou), esperança de liberdade, suprema ilusão. O buraco que vai crescendo gradualmente, ocupando cada vez mais o écran, fazendo com que nos esqueçamos da simplicidade desta obra.
A banda sonora, acaba por ser o bater ritmado de pás e picaretas no betão, os mesmos que abrirão o buraco. Um ruído que aumenta à medida que o próprio buraco cresce e, concomitantemente, diminui a distância da evasão. No final, tudo se gora, ficando os evadidos virados contra uma parede, de tronco nu. Talvez esta seja a maior das coerências: num filme despido de artíficios - de molde a que o espectador se concentre no que verdadeiramente interessa, o buraco - este é o fim mais lógico. Mais do que as traições e do que a típica solidariedade que habita o noir - e de que Touchez pas au grisbi de Becker tinha sido um belo primeiro ensaio - o espectador apenas se concentra no vazio, no escuro, ou seja, no desconhecido que o buraco esconde.
Pese embora a funcionalização de todas as condutas relativamente ao buraco construendo, a frugalidade esconde uma fina teia de relações complexas, escondida pela troca de olhares cúmplies e/ou desconfiados, bem como pelo típico calão do milieu que, apesar de tudo, tenta mascarar a inevitável tragicidade que se abaterá sobre os evadidos. O buraco funciona, pois, como o aumentar do espaço finito da cela, abrindo portas para a ilusão e para a exploração do Mundo que se vai desenhando à frente do olhar sôfrego dos presidiários.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"Le Trou" é uma grande obra sobre a obsessão e que se torna ela própria obsessia para o espectador. Saí da projecção completamente baralhado, noutro mundo, subterrâneo, cheio de barulho do metal a bater contra a pedra. Genial.

1:12 da manhã  
Blogger Hugo said...

Sim. Por vezes a simplicidade é meramente aparente. E, neste caso, é incrível como um filme tão depurado e frugal, consegue ser tão eficiente e complexo. Soberbo.

10:45 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Un grand film.
Dans une mise en scène très proche des personnages, en huis-clos, très proche des visages marqués par la crainte, la détermination et l'amitié.
La violence du son et des plans lorsque les personnages creusent le trou colle parfaitement avec la violence de leur situation. Nous resterons marqués en sortant de la salle par le bruit des coups de métal contre la pierre (Nun' je crois que c'est ce que tu as dit aussi en portugais?). Malgré la froideur de leur situation et les conditions de leur quotidien, ce groupe d'hommes nourrit une forte amitié. Je salue la qualité des acteurs, époustouflante.
Becker a réussi, grace à sa mise en scène et ses acteurs, a créer une atmosphère à la fois lourde et étouffante, mais aussi riche en humanité.

12:17 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home