quarta-feira, outubro 25

Reflexão outonal

Such ingratitude after all the times I saved your life.

Sergio Leone era um verdadeiro mestre de cartografia. Os seus grande planos eram sinónimo do traçar de mapas profundos, capazes de traduzir na perfeição o interior da alma. Mas em The Good, the bad and the ugly, obra que também contém uma profunda reflexão sobre a I e a II Grandes Guerras - veja-se, respectivamente, a luta pela ponte e o campo de prisioneiros - acaba por ser um retrato amargo de um dos aspectos mais negativos do Ser Humano: a volatilidade.
A acção desenfreada e insana que o espectador vê, contém uma afirmação séria e, de certo modo, outonal: em Leone as parcerias são momentâneas e ditadas pelo sabor da conveniência. Blondie, Tuco e Angel Eyes apenas se associarão para encontrar $ 200.000. Apenas o fazem para satisfazer as suas necessidades e a sua cobiça. Não há lugar para o outro. Apenas para o Eu. E, assim, se dá cumprimento a uma velha máxima: no western cabe tudo. Mesmo reflexões sobre a natureza má e mesquinha do Ser Humano.
Adenda: Leone não anda muito longe do plasmado num celebérrimo discurso de Alberto Pimenta: o sacana - permitam-me o eufemismo - caracteriza-se pela disponibilidade para a indisponibilidade.

8 Comments:

Blogger Tiago Barra said...

Os grandes filmes permitem enfatizar romances literários do passado...este lembra «O Mandarim», de Eça de Queiros.

Abraço.

12:15 da tarde  
Blogger José Oliveira said...

dá perfeitamente para perceber que em homens como Leone, Peckimpah ou mesmo Hellman, que praticaram uma categoria mais frigida e rude do western, se assim posso dizer, este era investido de grande reflecção sobre a natureza dos homens e continham em si movimentos sobre a história de grande força...e quanto ao filme em questão talvez seja definitivamente o supra-sumo da arte de Leone, Western ou não (afirmação atrevida pois claro...)

Abraços

7:46 da tarde  
Blogger MPB said...

Levanto a questão.

Se muitos dizem que Tarantino é o realizador pós-moderno... então o que será LEONE????


Cumps

8:32 da tarde  
Blogger Hugo said...

Leone é o pós-moderno por definição e Once upon the time in the west comprova-o de forma mais do que cabal.

Será que a transfiguração do género fez com que deixasse de ser Western? Pois. Afirmação/dúvida diabólica, meu caro Joseo :-)

8:35 da tarde  
Blogger José Oliveira said...

...eu penso que continua a ser western, talvez western moderno como muitos afirmaram, já sem as coordenadas do classissismo fordiano/hawksiano...e onde começará? já nos anos 50 com os planos de beleza vegetal como afirmou godard acerca destes?

...e será que peckimpah destruiu definitivamente o western como género?

...e o western pós moderno será o jarmush de "Dead Man" ou "Ghost Dog"...por exemplo...

que dizes hugo?

1:31 da manhã  
Blogger Hugo said...

Não ando muito longe dessa opinião. Acho que Leone e sequazes apenas tiveram a honestidade intelectual de dar realismo ao Western. Afinal de contas, naqueles tempos a vida não devia ser nada pacífica e, certamente, nem todos andavam sempre impecavelmente barbeados como em alguns clássicos de Hollywood.

Na essência, essa é a marca da revolução/ruptura. Porque o resto está lá: os códigos de amizade (veja-se Once upon a time in the west ou Fistfull of Dynamite) bem como o homem solitário (trilogia dos dólares). Acho que todos, de uma forma ou de outra, acabam por não fugir a esta essência. Quando muito, apenas a forma como a abordam muda. Mas, porvavelmente, estou a dizer uma asneira do tamanho da Praça do Comércio.

11:03 da manhã  
Blogger José Oliveira said...

pela minha parte totalmente de acordo!

9:34 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

["uma asneira do tamanho da Praça do Comércio" -> gosto da expressão :p]

12:08 da manhã  

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