Reflexão outonal
Sergio Leone era um verdadeiro mestre de cartografia. Os seus grande planos eram sinónimo do traçar de mapas profundos, capazes de traduzir na perfeição o interior da alma. Mas em The Good, the bad and the ugly, obra que também contém uma profunda reflexão sobre a I e a II Grandes Guerras - veja-se, respectivamente, a luta pela ponte e o campo de prisioneiros - acaba por ser um retrato amargo de um dos aspectos mais negativos do Ser Humano: a volatilidade.
A acção desenfreada e insana que o espectador vê, contém uma afirmação séria e, de certo modo, outonal: em Leone as parcerias são momentâneas e ditadas pelo sabor da conveniência. Blondie, Tuco e Angel Eyes apenas se associarão para encontrar $ 200.000. Apenas o fazem para satisfazer as suas necessidades e a sua cobiça. Não há lugar para o outro. Apenas para o Eu. E, assim, se dá cumprimento a uma velha máxima: no western cabe tudo. Mesmo reflexões sobre a natureza má e mesquinha do Ser Humano.
Adenda: Leone não anda muito longe do plasmado num celebérrimo discurso de Alberto Pimenta: o sacana - permitam-me o eufemismo - caracteriza-se pela disponibilidade para a indisponibilidade.
8 Comments:
Os grandes filmes permitem enfatizar romances literários do passado...este lembra «O Mandarim», de Eça de Queiros.
Abraço.
dá perfeitamente para perceber que em homens como Leone, Peckimpah ou mesmo Hellman, que praticaram uma categoria mais frigida e rude do western, se assim posso dizer, este era investido de grande reflecção sobre a natureza dos homens e continham em si movimentos sobre a história de grande força...e quanto ao filme em questão talvez seja definitivamente o supra-sumo da arte de Leone, Western ou não (afirmação atrevida pois claro...)
Abraços
Levanto a questão.
Se muitos dizem que Tarantino é o realizador pós-moderno... então o que será LEONE????
Cumps
Leone é o pós-moderno por definição e Once upon the time in the west comprova-o de forma mais do que cabal.
Será que a transfiguração do género fez com que deixasse de ser Western? Pois. Afirmação/dúvida diabólica, meu caro Joseo :-)
...eu penso que continua a ser western, talvez western moderno como muitos afirmaram, já sem as coordenadas do classissismo fordiano/hawksiano...e onde começará? já nos anos 50 com os planos de beleza vegetal como afirmou godard acerca destes?
...e será que peckimpah destruiu definitivamente o western como género?
...e o western pós moderno será o jarmush de "Dead Man" ou "Ghost Dog"...por exemplo...
que dizes hugo?
Não ando muito longe dessa opinião. Acho que Leone e sequazes apenas tiveram a honestidade intelectual de dar realismo ao Western. Afinal de contas, naqueles tempos a vida não devia ser nada pacífica e, certamente, nem todos andavam sempre impecavelmente barbeados como em alguns clássicos de Hollywood.
Na essência, essa é a marca da revolução/ruptura. Porque o resto está lá: os códigos de amizade (veja-se Once upon a time in the west ou Fistfull of Dynamite) bem como o homem solitário (trilogia dos dólares). Acho que todos, de uma forma ou de outra, acabam por não fugir a esta essência. Quando muito, apenas a forma como a abordam muda. Mas, porvavelmente, estou a dizer uma asneira do tamanho da Praça do Comércio.
pela minha parte totalmente de acordo!
["uma asneira do tamanho da Praça do Comércio" -> gosto da expressão :p]
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