Mudámo-nos
(uma paragem em obras, com muita coisa a melhorar, mas, até mais ver, a serventia da casa)
Algures assim: entre o denunciante envolto na bruma de Le Doulos, estugando o passo num corredor sombrio e os rostos dissecados até às entranhas por Cassavettes, em Faces. Eis o diário cinéfilo de ocasião.
Lisboa. Aula Magna. Hora de almoço. Enquanto almoçava, ruminava nas hotas que tinha dado e que ia dar aos meus alunos. As minhas cogitações foram interrompidas pelo troar de um trompete e de um grupo de palhaços que animavam as hostes infantis que se iam acontanando à porta. Subitamente, lembrei-me que Fellini é que tinha razão: tudo isto é um grande circo.


Reagir perante a adversidade do Mundo de forma autista, julgando que podemos conquistá-lo e modelá-lo à nossa vontade. Algo que todos, mais cedo ou mais tarde, sonhamos. Se em Die Blechtrommel Oskar Matzerath é bafejado com esse dote supremo, o seu egoísmo maquiavélico cede, em teoria, perante um gesto mais simples: tapar os ouvidos e ignorar o mundo em volta. É, precisamente, o que acontece no segmento de Claude Chabrol de Paris vu par... e, no mundo real, também é assim que todos nos comportamos. Ao realismo mágico, o pragmatismo.
As revisões têm disto: relembrar cenas que marcaram, ideais que jaziam algures numa caixa perdida na cave. Le salaire de la peur, para além do seu anti-americanismo latente, faz tomar consciência de uma coisa tão óbvia e corriqueira que por vezes nos esquecemos dela: o lucro, por via de regra, alcança-se à custo de algo ou de alguém. O lucro torna-nos vazios, cegos e prontos a cometer loucuras. O lucro consome a bondade do Selvagem que somos. É um Leviatã. O Mundo não é um local para pessoas afáveis ou propensas à simpatia. O Mundo, esse que guia todos os outros que se vendem é um sítio feio. De tanto vermos a violência, parecemos esquecer o óbvio.
Vemos os espectadores a entrar, tomando o seu lugar; vemos uma peça representada como se estivessemos num teatro; de repente, vemos um filme projectado lá ao fundo e, de repente, já estamos no meio das imagens propriamente ditas. É esta fusão, esta capacidade de nos fazer navegar entre mundos diferentes, não distinguindo, ao certo, o que vemos, que resume o Cinema. _files/angel04.jpg)

De punhos no bolso, de punhos cerrados e com o olhar perdido no vazio. O gesto mais comum das personagens de I pugni in tasca.