quinta-feira, setembro 25

César Monteiro e Ozu

Disse a dada altura que Ozu e César Monteiro eram cineastas de cabeceira, entidades que serviam entre si como freio e contrapeso, à imagem daquilo que pelas terras to Tio Sam se sói designar como checks and balances*. Se é certo que ambos tratam de universos absolutamente díspares, há, no mínimo, algo que os aproxima: a contemplação minuciosa do real.
Não obstante, enquanto Ozu "fica" por dramas familiares, jogando num mise-en-scène frugal e espartano, César Monteiro parte do real para levar o espectador a um limbo algures entre o real e o surreal. Um realismo mágico, quiçá. Ozu parte do real e, aparentemente, fica prisioneiro desse mundo que observa, descreve e onde as suas personagens passeiam, tendo como único escape o humor. César Monteiro parte do real, ultrapassa-o e regressa, fazendo passear os seus alter egos - João de Deus, o "tio" Jean de Dieu e o "primo afastado" João Vuvu - como objecto não identificado que olha o real, vive nele e opta por criar um universo próprio, sem nunca largar a âncora que o prende ao real: contempla, movimenta-se e faz gestos caricatos, que parecem zombar todos os outros transeuntes.
Confusos? Imaginem um plano à Ozu, com a câmara à altura do solo, contemplando João de Deus, esse mafarrico perdido entre a ironia vitriólica e a realidade que consome o seu corpo, e o resultado fica à vista. O ponto de partida é o mesmo. Todavia, César Monteiro transveste o real com um manto diáfano de ilusão mágica e levemente surreal.
*Um bom constitucionalista explicará que é o sistema que explica a circunstância de os vários órgãos de soberania dos Estados Unidos da América viverem num equilíbrio frágil, ora dando poderes, ora retirando, num meticuloso jogo de equilíbrios instáveis ao nível constitucional. Eu, pobre civilista em construção (provavelmente nunca finda), sou incapaz de explicar tal coisa.