Luchino Visconti Cineasta, filósofo, erudito e pensador problemático-existencial
De todos os grandes autores, Luchino Visconti é, provavelmente, o mais constante.
Explicação de motivos:
Efectivamente, começando por Ossessione, obra-prima considerada por muitos o primeiro filme neo-realista até L'innocente, Visconti sempre nos ofereceu grandes filmes. Uma obra que, numa fase inicial primou pela afirmação da sua ideologia marxista (veja-se o paradigmático La terra trema), evoluindo para o que lhe valeria o epíteto de "esteta de primeira água" (veja-se Senso ou Il Gattopardo), mas que nunca deixou de nos oferecer filmes portentosos. Nem mesmo na sua fase "outonal", que prima por uma decadência sublime e perturbadora (veja-se La cadutta degli dei ou Morte a Venezia). Bem vistas as coisas, resulta extremamente difícil apontar a Visconti um filme menor.
Operático, filosófico, esteta refinado, militante convicto, Luchino Visconti é, assaz provavelmente, o maior dos autores. Tal deve-se quer à sua particular abordagem das temáticas dos seus filmes, mas, também, por ter sido um dos poucos a demonstrar que as relações entre Cinema e Literatura podem ser extremamente profícuas e que nem sempre a adaptação cinematográfica sai a perder.
Três exemplos:
i) A adaptação de Il gattopardo de Tommasi di Lampedusa, em que Mestre Visconti nos brindou com um filme memorável. Certamente um dos melhores de sempre, se não mesmo o melhor. Um filme, de certo modo, autobiográfico (Visconti não deixa de se reflectir no Conde de Salina, interpretado por um genial Burt Lancaster), mas que não deixa de focar temáticas de pendor existencial e sociológico de forma sublime (vejam-se os inúmeros diálogos do Conde de Salina, que prima pela máxima: É preciso mudar algo, para que tudo fique na mesma...)
ii) A adaptação de L'étranger de Albert Camus, no magnífico Lo straniero, com um brilhante Marcello Mastroianni, numa adaptação sublime da obra fundamental do pensamento de Albert Camus, teórico do absurdo existencial.
iii) A adaptação de Noites brancas de Dostoievsky no belíssimo Notte Bianchi, onde vemos, talvez, a melhor performance de sempre de Marcello Mastroianni.
Visconti, o Conde de Modrone, sempre polémico, mas, acima de tudo, um dos poucos que nos demonstrou todo o esplendor do Cinema enquanto Arte.
Da minha parte, salientaria enquanto filme-síntese da sua obra o genial Rocco e i suoi fratelli, onde vemos tudo o que há de melhor na sua obra. Desde o marxista convicto (veja-se o constante dilema capitalismo/exploração, em que a divisão do filme em capítulos, por cada um dos irmãos de Rocco, é o leit motiv para explorar várias temáticas caras ao neo-realismo, mas, também ao existencialismo e, de certa forma, para se assumir como pós-moderno. Bem vistas as coisas, as máquinas e a industrialização não trazem felicidade...), ao operático (o abraço da morte, pela personagem interpretada por Annie Girardot, , nunca nos sairá, jamais, da memória naquele que é o mais belo momento do filme), passando pelo esteta (vejam-se as sequências dos combates, que seriam, certamente, a base para o desenvolvimento estético operado por Martin Scorsese em Raging Bull, ou, entre nós, no fundamental, Belarmino). Mas, acima de tudo isto, sobressai Visconti, o erudito e o filósofo, que não deixa de acentuar a crença num futuro feliz e, de certo modo, telúrico.
Não será o episódio final de Rocco e i suoi fratelli a afirmação de uma problemática não apenas lusa, mas, também, Universal? A belíssima canção O paese mio, a canção de Bari, não será a afirmação de um sentimento universal? (entre nós, sobre a problematica da saudade, vejam-se os escritos do coimbrão Joaquim de Carvalho, passando pelo eterno Leonardo Coimbra ou pelo sempre actual Agostinho da Silva, o Homem que tinha saudades do futuro...) Todos sonhamos com a pátria (leia-se, terra de origem) e apenas nela encontraremos a felicidade.*
Visconti, para além de cineasta, filósofo e erudito, era um telúrico, o que demonstra, para além de qualquer dúvida razoável, que Visconti é o cineasta Universal.
Visconti é, sem margem para dúvidas, o cineasta supremo.
*Dúvida metodológico-existencial: será a "saudade" um sentimento meramente luso, ou terá correspondência noutras línguas? Carolina de Micahäeilis, por exemplo, apontava a raiz, rectius, como congénere da palavra o germânico Sehnsucht...Questão polémica, portanto. Eis uma dúvida que fica em aberto!