sábado, abril 22

Ad provocationem V

Luchino Visconti
Cineasta, filósofo, erudito e pensador problemático-existencial
De todos os grandes autores, Luchino Visconti é, provavelmente, o mais constante.
Explicação de motivos:
Efectivamente, começando por Ossessione, obra-prima considerada por muitos o primeiro filme neo-realista até L'innocente, Visconti sempre nos ofereceu grandes filmes. Uma obra que, numa fase inicial primou pela afirmação da sua ideologia marxista (veja-se o paradigmático La terra trema), evoluindo para o que lhe valeria o epíteto de "esteta de primeira água" (veja-se Senso ou Il Gattopardo), mas que nunca deixou de nos oferecer filmes portentosos. Nem mesmo na sua fase "outonal", que prima por uma decadência sublime e perturbadora (veja-se La cadutta degli dei ou Morte a Venezia). Bem vistas as coisas, resulta extremamente difícil apontar a Visconti um filme menor.
Operático, filosófico, esteta refinado, militante convicto, Luchino Visconti é, assaz provavelmente, o maior dos autores. Tal deve-se quer à sua particular abordagem das temáticas dos seus filmes, mas, também, por ter sido um dos poucos a demonstrar que as relações entre Cinema e Literatura podem ser extremamente profícuas e que nem sempre a adaptação cinematográfica sai a perder.
Três exemplos:
i) A adaptação de Il gattopardo de Tommasi di Lampedusa, em que Mestre Visconti nos brindou com um filme memorável. Certamente um dos melhores de sempre, se não mesmo o melhor. Um filme, de certo modo, autobiográfico (Visconti não deixa de se reflectir no Conde de Salina, interpretado por um genial Burt Lancaster), mas que não deixa de focar temáticas de pendor existencial e sociológico de forma sublime (vejam-se os inúmeros diálogos do Conde de Salina, que prima pela máxima: É preciso mudar algo, para que tudo fique na mesma...)
ii) A adaptação de L'étranger de Albert Camus, no magnífico Lo straniero, com um brilhante Marcello Mastroianni, numa adaptação sublime da obra fundamental do pensamento de Albert Camus, teórico do absurdo existencial.
iii) A adaptação de Noites brancas de Dostoievsky no belíssimo Notte Bianchi, onde vemos, talvez, a melhor performance de sempre de Marcello Mastroianni.
Visconti, o Conde de Modrone, sempre polémico, mas, acima de tudo, um dos poucos que nos demonstrou todo o esplendor do Cinema enquanto Arte.
Da minha parte, salientaria enquanto filme-síntese da sua obra o genial Rocco e i suoi fratelli, onde vemos tudo o que há de melhor na sua obra. Desde o marxista convicto (veja-se o constante dilema capitalismo/exploração, em que a divisão do filme em capítulos, por cada um dos irmãos de Rocco, é o leit motiv para explorar várias temáticas caras ao neo-realismo, mas, também ao existencialismo e, de certa forma, para se assumir como pós-moderno. Bem vistas as coisas, as máquinas e a industrialização não trazem felicidade...), ao operático (o abraço da morte, pela personagem interpretada por Annie Girardot, , nunca nos sairá, jamais, da memória naquele que é o mais belo momento do filme), passando pelo esteta (vejam-se as sequências dos combates, que seriam, certamente, a base para o desenvolvimento estético operado por Martin Scorsese em Raging Bull, ou, entre nós, no fundamental, Belarmino). Mas, acima de tudo isto, sobressai Visconti, o erudito e o filósofo, que não deixa de acentuar a crença num futuro feliz e, de certo modo, telúrico.
Não será o episódio final de Rocco e i suoi fratelli a afirmação de uma problemática não apenas lusa, mas, também, Universal? A belíssima canção O paese mio, a canção de Bari, não será a afirmação de um sentimento universal? (entre nós, sobre a problematica da saudade, vejam-se os escritos do coimbrão Joaquim de Carvalho, passando pelo eterno Leonardo Coimbra ou pelo sempre actual Agostinho da Silva, o Homem que tinha saudades do futuro...) Todos sonhamos com a pátria (leia-se, terra de origem) e apenas nela encontraremos a felicidade.*
Visconti, para além de cineasta, filósofo e erudito, era um telúrico, o que demonstra, para além de qualquer dúvida razoável, que Visconti é o cineasta Universal.
Visconti é, sem margem para dúvidas, o cineasta supremo.
*Dúvida metodológico-existencial: será a "saudade" um sentimento meramente luso, ou terá correspondência noutras línguas? Carolina de Micahäeilis, por exemplo, apontava a raiz, rectius, como congénere da palavra o germânico Sehnsucht...Questão polémica, portanto. Eis uma dúvida que fica em aberto!

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olás e Olés!
Antes de tudo...e por isto... é excelente o seu trabalho.
Mais tarde, algo sobre o Visconti (que é o meu preferido)virá.
Por ora uma definição de Guimarães Rosa :
"Saudade é vontade de ver outra vez".
Já não me lembro em que livro li essa frase.
Com certeza sabe que Guimarães Rosa é o Aquilino Ribeiro dos trópicos.
Não sei a quantas anda o filme recém lançado BRASILIA 18% do Nelson Pereira dos Santos.
Cinema brasileiro - estou às ordens no que puder atender, aos que nele tiverem interesse.
Até breve e um abraço carioca.
Ainda Anônima,
Edith

10:40 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

em dois dias seguidos, vi "morte em veneza" e "o leopardo".... ainda estou a recuperar, segue-se a vontade de devorar o resto da obra de visconti.

10:00 da tarde  
Blogger Hugo said...

Dois grandes filmes! Efectivamente, é para estar a recuperar...o tom outonal de "Morte em Veneza" é absolutamente devastador e "O leopardo" é um filme cuja riqueza leva a que, durante dias (pelo menos!), fiquemos a pensar no que vimos, tal é a riqueza dos diálogos.

Infelizmente, até à data, as edições portuguesas de Visconti em DVD (apenas estão editados "Os malditos" e "Morte em Veneza", dois filmes da tetralogia germânica) são parcas. É de crer que o panaroma melhorará com o lançamento iminente de uma caixa que incluira "Rocco e i suoi fratelli", "Il Gattopardo" e "Ludwig". Será, certamente, mais uma forma de divulgação deste autor enorme, que, entre nós, é ainda, infelizmente, desconhecido de muitos...

Saudações cinéfilas!

11:45 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Morte em Veneza
Há muitos anos vi esse filme em tela grande, no cinema, no ambiente encantantório que a sala nos dá.
Com Visconti não havia abatimentos - o roteiro, o cenário, a música, enfim tudo que contribui para uma perfeita narrativa cinematográfica era fartamente usado.
O que mais me ecantou, e até hoje encanta, é a adaptação do personagem - no livro um escritor, no cinema um maestro compositor - perfeita, sem desgastarum personagem em favor do outro.
A transposição da presença da Morte - no livro, um estrnho homem que surge ao escritor,descrito num dos primeiros parágrafos. No filme a decadência na máscara do "inconveniente", logo à chegada em Veneza.
Alguns filmes de Visconti, os últimos, têm uma constante, uma recorrência determinante : o medo da velhice, o horror à perda da beleza. E isto se vê claramente em "Conversation Piece","Morte em Veneza" e em "Il Gattopardo". Em Conversation P.a velhice/solidão, que fragiliza; em Morte em V. a beleza que se despede com a idade; e em Il Gattopardo,ao final do baile, o príncipe - o Leopardo - olha-se no espelho e... sofremos com ele.
Visconti é inesgotável.
Edith

8:15 da manhã  

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