O senso comum de pudor e a marginalidade
As duas obras cinematográficas iniciais de Pier Paolo Pasolini, Accattone e Mamma Roma, devem ser vistas, se possível, em paralelo com a leitura de dois romances da sua autoria: Uma vida violenta (editado, entre nós, pela Assírio e Alvim) e Ragazzi di vita . É nelas que Pasolini nos dá a conhecer a vida dos borgate, os bairros de lata construídos nas orlas da periferia de Roma. É aí que, partindo, formalmente, da estética neo-realista, Pasolini procura recriar e descrever a vida de jovens marginais*. Os seus heróis são prostitutas, proxenetas e ladrões. Os marginais da sociedade, vivendo num mundo só deles e ignorado pela maioria da população.
Obras polémicas - aliás, basta referir, por exemplo, que Uma vida violenta foi alvo de processo judicial - mas que têm o condão de não enjeitar a crítica do boom económico italiano. Este estaria, na visão de Pasolini, na base da degração cultural e moral destas camadas da população. Simultaneamente, são, também uma forma de homenagem a uma cultura muito particular. É no meio dessa amoralidade que Pasolini erige a sua obra, inserindo (de forma provocatória) constantes referências cristãs. Talvez Pasolini tenha, efectivamente, atentado contra a o senso comum de pudor italiano, mas ninguém lhe retirará o mérito de ter a dado a conhecer uma realidade ignota. Bem como de ter, desde logo, implantado uma das imagens de marca do seu cinema: o recurso a interpretações físicas, a par dos grandes planos das faces dos actores.
*Comprovando a lógica do eterno retorno, basta reparar que a pequena marginalidade tende a seduzir os cineastas mais recentes. Se os irmãos Dardenne privilegiam o realismo cru, autores como Pedro Costa ou Teresa Villaverde (com Os Mutantes à cabeça) não se coibem de retratar a vida das minorias e da marginalidade.
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