segunda-feira, fevereiro 12

Contemplação

Sicilia! de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet
Ao meu amigo Daniel, uma saudação (atrasada) pelo regresso à blogosfera:
Na abertura de Sicilia! topamos vom um vulto contemplando a imensidão do mar, absolutamente desligado da realidade que o rodeia, ignorando os estridentes lamentos de um homem queixando-se que não consegue vender as suas laranjas. Todo o filme, uma preciosa odisseia de 67 minutos, é a narração da sua viagem. Sem objectivos, deambula pela Sicília, visita a mãe. Tem um nome - Silvestro - mas comporta-se sempre como se não tivesse qualquer tipo de ligação ao espaço envolvente. É um mero corpo, desprovido de objectivos e, quiçá, de sentimentos. Sempre em puro estado contemplativo, criando um barreira intrasponível entre o seu corpo e os restantes interlocutores. E, neste particular, estamos perante uma excelente gestão do espaço*, já que este peregrino jamais será integrado na Sicília que o viu nascer. Existirá sempre uma qualquer fronteira espacial que não permite a sua incorporação na comunidade. Já ali não pertence. É um mero transeunte.
À guisa de conclusão, refira-se que o título deste post é aplicável na íntegra ao Cinema dos Straub. Entre o realizador e o espectador é criada uma barreira que visa o distanciamento. Um Straub-Huillet não é um objecto para ser saboreado, mas sim contemplado. Porque o Cinema de Straub-Huillet vive da dialéctica entre sentidos e espírito. Apesar de toda sua teatralidade, todo o mundo onde são rodados acaba por brotar e fazer-se sentir. Indo um pouco mais longe, haveria até que perguntar se o Cinema de Straub-Huillet não prescinde do espectador.
Conforme perguntava Jean-Marie Straub: Se isto não é Cinema que raio então é o Cinema?
* e é de notar que essa "gestão" tem ecos, por exemplo, no trabalho mais recente de Pedro Costa. Para além da influência expressionista de Murnau ou da elipse de Ozu, também Straub-Huillet marcam presença. Ou não fosse Pedro Costa um admirador e amigo do casal. Ou gît votre sourire enfuit? é, apenas, o exemplo mais marcante.