Para quê um Oscar?*
Verdadeira lenda viva, a Martin Scorsese, até à data, tem sido apontado como pecado original do seu curriculum de realizador o facto de nunca ter conquistado um Oscar. Em bom rigor, não precisa. O facto de nunca ter conquistado um Oscar é o maior dos elogios que se lhe pode dar, já que acentua a sua independência e irreverência perante o establishment de Hollywood.
A sua filmografia fala por si. Películas como Mean Streets, Taxi Driver, Raging Bull, The last temptation of Christ ou Goodfellas são demonstrações claras da grandeza de um realizador que não se quedou apenas pela tarefa de realizar filmes. Pelo contrário, Scorsese surge hoje como figura de proa, devido ao facto de ter apresentado excelentes documentários, como é o caso de Il mio viaggio a Italia ou A personal journey with Martin Scorsese through American Movies, verdadeiras obras de iniciação à Cinefilia (algo que já Jean-Luc Godard fizera alguns anos antes) ou o fundamental The Blues, a par do documentário sobre um dos maiores vultos da cultura americana: Bob Dylan, em No direction home.
Scorsese nunca virou as costas à polémica, conforme se vê na tenacidade em insistir na adaptação do genial romance de Nikos Kazantzakis, The last temptation of Christ, brindando-nos com um retrato de Cristo, que paira no limbo, entre a imagem do Super-Homem de Nietzsche e um homem normal acossado por medos e indecisões. De igual modo, Scorcese nunca teve receio em subverter um determinado género, como em Mean Streets ou Goodfellas, onde somos confrontados com elementos típicos do musical ou mesmo de comédia (veja-se o papel fundamental de Joe Pesci em Goodfellas).
Todavia, a imagem de marca deste autor prende-se com a movimentação da câmara que, por vezes, parece planar, acompanhando as personagens e induzindo o espectador a tolerar a violência destas, se não mesmo a comover-se. Não pode ser outro o resultado após acompanhar a génese e evolução da obsessão de Travis Bickle em Taxi Driver ou a acompanhar os assomos de raiva de Jack La Motta de Raging Bull. Aliás, a propósito deste último título, nunca será demais salientar as geniais coreografias de combate em que, pela primeira vez, o espectador é transportado para dentro do ringue e, graças ao concurso de uma brilhante edição de som, vive e sente tal como os próprios lutadores.
Violência. Eis uma das críticas apontadas a Scorsese. Uma crítica, de certo modo, cega e inocente: toda a violência que encontramos nas suas personagens é, precisamente, a violência que encontramos no nosso dia-a-dia. A violência derivada da solidão, de um ambiente opressivo e, também, do desligar das regras ou de filtros sociais que redundam, o mais dasvezes, na anomia. E aqui temos o cerne do cinema de Scorsese: mais do que tudo, é a metáfora da vida urbana.
Da mesma forma que, a propósito de Raging Bull, Scorsese afirmava que não há filmes a preto e branco, mas sim diferentes tonalidades de cinzento, somos tentados a dizer que o cinema de Scorsese mais não é do que um conjunto de diferentes tonalidades de sentimentos. Dito de outro modo, Scorcese é um dos intérpretes máximos dos mais primários sentimentos humanos.
Afinal, para quê um Oscar?
*tendo em conta a celeuma derivada do facto de Crash ter ganho um Oscar, resolvi (tentar) demonstrar, através de um caso prático, que a estatueta dourada pode ser perfeitamente dispensável. Exemplos disso mesmo são Alfred Hitchcock, Orson Welles ou Stanley Kubrick, cuja genialidade e proeminência na Sétima Arte é indiscutível.
9 Comments:
Adorei este texto, principalmente a nota final.
A Academia de Hollywood está tão metida na merda, que nem sabe a merda em que está metida.
Para o ano, não verei os Óscares.
Scorsese com 3 S, desculpa a implicância. De facto, um dos maiores génios da história do cinema. E tem no seu currículo o melhor genérico da história do cinema (que eu conheço): o de Raging Bull. Bem salientado como disseram os dois, tendo em conta a usual estupidez dos Oscares.
Mas para o ano, verei os Oscares. E no outro, e no outro...
Implicância nenhuma :) Obrigado pela achega (sim, mortifico-me com a vergonha de ter baptizado o Marty novamente...) :)
Brilhante homenagem a um dos expoentes máximos da Sétima Arte. Muito bem inserida no actual contexto de "colisões" idealísticas, afamadas por Oscares estereotipados.
Este mui humilde blogger fica encavacado com tanto elogio... Obrigado! :)
De facto, nunca é demais ler textos como este, que prestam homenagem àquele que é o maior cineasta vivo (okey, isto é subjectivo e tal, mas o que é certo é que he´s the man) e, sem dúvida, um dos maiores de sempre. Belo texto, Hugo, e belo blog :-)
Paulo: obrigado eu pela visita e pelas palavras tão simpáticas! :)
H., não podia concordar mais :)
..e obrigado pelo elogio ao texto. Muito gentil!
excelente análise à óbra do mestre. Parabens
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