quinta-feira, fevereiro 16

Brokeback Mountain

Jake Gyllenhaal e Heath Ledger em Brokeback Mountain

Ang Lee rubricou um filme belo e poético, tendo a coragem de contar uma história de amor diferente do habitual, pois assenta numa relação homossexual. Nada mais.
Estamos perante a história do amor impossível de dois homens que, inicialmente têm dificuldades em aceitá-lo e, posteriormente, não conseguirão assumi-lo, bastando-se com encontros esporádicos. Eis o cerne de Brokeback Mountain, um filme que passa boa parte do tempo a interrogar-se sobre a negação da natureza humana e sobre o complexo de culpa inerente a tal negação.
Muita da força do filme radica nos inúmeros planos (belos, fascinantes,...) da montanha Brokeback, sempre omnipresente, quer fazendo lembrar a Ennis (maquinal Heath Ledger) que a sua verdadeira felicidade está na montanha, quer preenchedo os sonhos de Jack (espantoso Jake Gylenhall).
Como contraponto desses planos verdadeiramente oníricos, temos a relação dura e crua de Jack e Ennis. Uma relação de silêncios e arrebatamentos ocasionais. Mas, então, onde está a magia de Brokeback Mountain? A meu entender está na forma (quase sempre) elíptica de Ang Lee nos contar este amor. De facto, apesar de depararmos com o "querer bruto e fero" de que falava Garrett, esse querer apenas é mostrado em doses perfeitamente contidas.
A par deste amor proibido, ainda se tenta explorar outros campos. Basta atentar que quer Jake quer Ennis casam e têm filhos, mas nunca se sentirão preenchidos. Ou seja, é colocado o acento tónico na negação da natureza humana e, a par dessa negação, temos, de mãos dadas, um constante sentimento de culpa que se abate sobre os personagens, devido ao facto de não serem capazes de assumir a sua relacção.
Com um final peculiar, Ang Lee lembra-nos isso mesmo: o plano final da janela poderá ser visto como a necessidade de olha para o Mundo exterior, tendo o condão de nos fazer lembrar que há que procurar sair das paredes em que nos enclausuramos.
Foi precisamente isso que Brokeback Mountain fez: rompeu (ao de leve, é certo) com convenções e contou uma história diferente. Acontece que a diferença reside, apenas, no amor homossexual. No restante, é uma história convencional.
Daí o grande sucesso do filme junto das massas. Basta comparar, por exemplo, com o tom teatralizado de Querelle - Ein Pakt mit dem Teufel (Querelle - um pacto com o demónio) de Rainer Werner Fassbinder. É certo que Fassbinder tinha a grande dificuldade de adaptar a obra de Jean Genet, mas também não é menos certo que o fez pondo de lado muita da violência do livro homónimo, redundando num filme algo maquinal. Todavia, Ang Lee, mau grado alguma auto-contenção, fez um filme belo e sensível, capaz de prender o espectador à cadeira.
Ang Lee fez "algo". Com os anos se saberá precisamente "o quê".

3 Comments:

Blogger Ricardo said...

Contenção de Lee, tens razão. E o facto de ele refrear as cenas homossexuais, aqueles americanos devem ter a mania que são anjos.

Há um ou outro momento de incoerência no filme, por exemplo na cena quando eles se reencontram passado vários anos, e agarram-se ao beijos, no alpendre da casa, quando seria provável que a mulher visse. Pouco tacto...

11:34 da tarde  
Blogger Hugo said...

Pouco tacto, de facto. Mas esse momento tem o condão de abrir porta para a primeira das duas grandes interpretações femininas...

E insisto nisto: onde Fassbinder falou, Ang Lee venceu. Onde os americanos tiveram medo de se lançar no projecto, Ang Lee foi lá e convenceu. Filme totalmente "oscarizavel"

11:43 da tarde  
Blogger Hugo said...

H. :

não há nada que ficar maravilhada, mas de qualquer modo, agradeço, penhoradamente, o elogio.

Garanto-te que há por aí blog muito melhor do que este humilde espaço. 3 exemplos (todos nos links e dados por ordem alfabética): jeu de massacre, la saragina e Mise en Abyme.

Obrigado pela visita! ;)

10:42 da manhã  

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