sexta-feira, março 10

Clockwork Orange

Malcolm McDowell em Clockwork Orange

Anarquia, violência, liberdade de escolha e anomia, eis quatro dos grandes vértices de Clockwork Orange de Stanley Kubrick, inspirado na perturbadora novela de Anthony Burgess*.
Através de Alex de Large (portentoso Malcom McDowell), um jovem psicopata, que adora a ultra violência, torturar inocentes e violar mulheres (mas que, paradoxalmente, admira e aprecia a Nona Sinfonia de Beethoven), embarcamos numa viagem por um Mundo sem regras, dominado por delinquentes, que não se regem por qualquer regra social, desrespeitando-se quer a si quer ao próximo. É perante esta anomia com que somos confrontados, procurar-se-á indagar acerca das eventuais possibilidades de erradicar o mal da sociedade.
Um dos métodos consistirá em transformar um ser Humano numa cobaia, sendo bombardeado com sessões contínuas de imagens de ultra-violência, de modo a que o ímpeto criminoso desapareça. O resultado, neste particular, será de uma eficácia extrema, já que Alex não reagirá em situações em que é alvo de humilhações. Com reflexos verdadeiramente pavlovianos, o ex-criminoso oferecerá sempre a outra face, dado que o tratamento redundou na impossibilidade de escolha. Apenas existem reflexos condicionados que obstam a que se produzam reacções violentas.
Alex que, mau grado ser o protagonista do filme, não será mais do que um mero peão às mãos das classes dirigentes. De facto, trata-se de algo digno de Hobbes e do seu Leviathan: o Homem é Lobo do Homem. Aqui, mais do que a natureza competitiva do Homem acentuada pelo Filósofo inglês, temos alguém a satisfazer os seus interesses pessoais à custa de um semelhante. E aqui entra o outro Mundo de Clockwork Orange: a existência de um Estado que usa os cidadãos a seu bel-prazer. De certo modo, é um resquício do big brother orwelliano (veja-se a referência ao silenciamento dos opositores).
Kubrick não se coibiu de nos dar um retrato cru e grotesco quer do processo de transformação do delinquente quer deste "big brother". Na verdade, ao optar por cortar do filme o último capítulo da novela de Burgess, Kubrick acentuou a natureza mesquinha do Ser Humano. Alex curou-se, voltando ao que era ("i was cured all right..."), indício de que não podia negar a sua Natureza. Já na fonte original (a novela de Burgess), Alex tem sonhos bem mais prosaicos, próprios de alguém que cresceu (como facilmente se verifica no facto de pensar em ter filhos). Trata-se de um facto revelador, para além de qualquer dúvida, de que Kubrick é extremamente pessimista relativamente à Natureza Humana.
Talvez seja uma das raras facetas, se não mesmo a única, onde o olhar de Kubrick transparece. De facto o tom grotesco e jocoso marcam todo o filme, a par da busca de perfeição, recorrendo, para o efeito, a inúmeros exercícios de estilo, o que acaba por redundar numa obra fria e distante. Não pode deixar de ser outro o resultado da utilização de uma banda sonora portentosa, que serve como pano de fundo para vermos, num momento inicial, verdadeiros bailados de violência e, posteriormente, convivermos com a angústia de uma Mente a quem foi retirado o livre arbítrio.
Indo mais longe, dir-se-á que Clockwork Orange é maquinal: do mesmo modo que o título sugere a mecanicidade das suas personagens, sou tentado a afirmar que o próprio Kubrick, de certo modo, se desligou do sentimento e nos forneceu esta crua da obra de Burgess. Uma faceta que, de certo modo, já tinha deixado antever em Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb.
Um filme incontornável.
* A novela de Burgess é herdeira directa de obras como Brave New World de Aldous Huxley ou Nineteen Eighty-Four de George Orwell. Não lidamos já com escritores pós-modernos (como é o caso de Norman Mailer no genial The Naked and the Death), mas sim perante autores que nos fornecem obras que primam pela negação frontal da Utopia.

5 Comments:

Blogger Ricardo said...

Que dizer deste filme? Vi-o pela primeira vez quando era um adolescente crente na ordem, e é kitsch até dizer chega, talvez eu esteja a ser politicamente incorrecto afirmar que é uma obra-prima (muitos diriam "Dr. Strangelove ou 2001 são Kubrick no ponto"), mas o que é certo é que cada vez que o revejo, me maravilho com novos pormenores.

Não deixa de ser curioso o filme ser ainda tão visto e discutido nos nossos dias, é porque talvez não seja tanto produto dos anos 70 como isso.

3:23 da tarde  
Blogger Hugo said...

Grande Ricardo!

Precisamente! Esse (o facto de não perder actualidade) é um dos pormenores que mostram a excelência de um grande realizador.

5:39 da tarde  
Blogger Joana C. said...

É um filme brutal, que nos incomoda. Um clássico do cinema!

11:38 da tarde  
Blogger Daniel Pereira said...

Ricardo, no ponto estão uns quantos filmes dele, não?

Não sendo o meu filme preferido do Kubrick, considero, no entanto, "A Clockwork Orange" o filme ideal para entrar no seu universo. Está lá o seu pessimismo face ao mundo, talvez a temática principal do seu cinema. Também em termos técnicos está lá quase tudo.

Entrentanto já tive oportunidade ver um filme chamado "Identidade Kubrick" que vai estrear quinta-feira. É sobre um homem que se fez passar pelo Kubrick durante uns tempos. O filme é horrível e aconselho a resistirem à curiosidade e à esperança que o filme tenha alguma coisa que ver com o mestre.

7:24 da tarde  
Blogger Juom said...

Este é o meu Kubrick favorito, ou seja, é um dos meus filmes favoritos de sempre.

12:36 da tarde  

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