terça-feira, fevereiro 27

Pensar incomoda como andar à chuva

É comum vermos o Cinema Português ser vilipendiado. Diz-se que é enfadonho, monótono, tem pretensões autorais, não tem rumo e, pior, está desligado do grande público. Chega-se mesmo a dizer que não há Cinema em Portugal ou, quando muito, que este é elitista e apenas dirigido a sectores populacionais reduzidos.
Pois bem, quantos países poderão gabar-se de ter nas suas fileiras cineastas como o provocador João César Monteiro, o esteta Manoel de Oliveira, o desconcertante Pedro Costa ou o poeta telúrico António Reis?* Certamente muito poucos.
Sendo assim, cabe perguntar sobre o porquê do divórcio entre o público luso e o seu Cinema e o desprezo para com os seus cineastas. O motivo mais óbvio, prende-se com o facto de a globalização ter imposto Hollywood como um standard a seguir. Até aqui tudo bem. Já o Jean-Pierre Melville não se cansava de dizer que era os EUA eram a pátria do melhor dos Cinemas. O problema começa verdadeiramente quando (i) o público, devidamente "auxiliado" pelos distribuidores, se rende à má Hollywood. Aquelas das grandes produções com muitos efeitos especiais, explosões espectaculares e mensagem paupérrima (nula a maior das vezes), mas também quando (ii) o público parece envergonhar-se daquilo que se faz no seu País. Aliás, nada de novo neste particular. Trata-se de uma tendência endémica. Um exemplo: já em tempos idos a música popular portuguesa foi preservada por Giacometti. Neste particular assistimos, apenas, a mais uma manifestação da tendência lusa para não preservar nem divulgar o seu património, deixando tal tarefa cometida à boa vontade ou à curiosidade de terceiros.
O que é verdadeiramente lamentável é o facto de se explicar, por via de regra, esta negação com o elitismo (a propósito, vide os posts do André Dias e do Luís Miguel Oliveira) ou pretensiosismo dos cineastas portugueses. O problema não está neles, mas sim no público, que prefere objectos ocos e inconsistentes a obras que procuram alimentar a interrogação e a dúvida. Com efeito, e conforme dizia Alberto Caeiro, pensar incomoda como andar à chuva. Em Portugal, pelos vistos, incomoda tanto como uma tempestade tropical.
Resta, pois, esperar que melhores dias venham e que - agora permito-me ser utópico - finalmente haja reconhecimento interno relativamente aos grandes cineastas nacionais.
* sobre este Cineasta, veja-se o excelente blogue António Reis.

8 Comments:

Blogger Miguel Domingues said...

É uma questão - a da opinião do público generalista sobre o cinema português - que, a mim, não me preocupa absolutamente nada. Pelo simples facto de os numeros mostrarem que o grande público não vê cinema português. Assim sendo, como pode ter opinião?

Ao menos vejam os filmes, nem que seja para dizer mal.

7:40 da tarde  
Blogger Unknown said...

Este comentário foi removido pelo autor.

12:11 da manhã  
Blogger Hugo said...

Miguel: também não me preocupa, mas deixa-me muito apreensivo, porque é uma atitude que se estende à generalidade dos univeros "eruditos". Por vezes tenho a sensação que apenas existe preocupação em distrair a vista e a cabeça, mas proucar reflexões profundas não. Daí que "pensar incomode como andar à chuva".

Harry Madox:Teoricamente, o "auteurismo" propende para o elitismo, mas há exemplos de autores acarinhados pelo seu público (Truffaut...).

O que me causa mesmo grande irritação são frases como "secante", "entediante" e, a final, as autores das ditas muitas vezes nem um único filme de Oliveira, Monteiro e afins viu.

Costa e Ozu (contra mim falo...): talvez. Mas antes isso, do que alguns adjectivos ocos que se lhe aplicam sem sequer saber do que se fala.

Generalizando mais: o grande público não vê cinema (de qualidade). Talvez esta generalização já leve o meu tradicional mau feitio acoplado...

12:22 da manhã  
Blogger João D. said...

Nada de novo e perfeitamente normal. Acontece isso em todos os quadrantes culturais não só no cinema. simplesmente as pessoas não têm paciência para ver cinema de autor - isto as que vão realmente ao cinema, porque a maioria vai uma ou duas vezes por ano, simplesmente porque a cultura é sempre vista com um entretenimento e nunca como um importante meio de sobrevivência.

Em parte contra mim falo: confesso que só fui uma vez à cinemateca, e ainda por cima por obrigações universitárias. não tenho uma visão muito delineada do auteur de cinema, e a larguíssima maioria de filmes que vejo é de produção norte-americana(embora não vá propriamente mirar os filmes-pipoca dos multiplex).

Nem o cinema português se vai libertar disso tão cedo. A verdade é que temos muitos cineastas e muito cinema de autor, mas faltam-nos filmes que saibam fazer a ponte entre aquilo que é mais comercial e o que é o papel do cinema enquanto arte. filmes meio mainstream mas não totalmente como o "coisa ruim" ou o "alice" parecem-me ser um dos caminhos a trilhar para que as pessoas não generalizem as coisas.

simplesmente o cinema é visto enquanto entretenimento, e se a pessoa vai ao cinema e não o encontra então acha que aquilo é uma seca do cacete, feita por um pseudo-intelectual qualquer, só para captar a atnção a meia dúzia de entendidos...

2:04 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Hugo: se me permite, acho que é mais, o desconcertante Manoel de Oliveira e o esteta Pedro Costa...
Sobre o reconhecimento do valor na Arte, bem...é uma questão ingrata desde que a Arte existe.

1:02 da tarde  
Blogger Hugo said...

Claro que permito. No "desconcertante" falou a emoção. Pedro Costa deixa-me, passe o jogo de palavras. sempre desconcertado

2:09 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

A insistência em identificar no "cinema" de César Monteiro uma enorme provocação e um estimulante convite à reflexão sobre tópicos insondáveis é coisa que, confesso, me aborrece um bocadinho. Longe de ser um consumidor do (sempre) demonizado cinema americano dito comercial, nunca consegui detectar na "obra" do referido cineasta nada mais do que críticas balofas (além de fáceis) a moralidades pretensamente dominantes ("não gastes todo o dinheiro em freiras"), muita aleatoriedade (deixem cá ver... 15 minutos em alemão com uma alusão semi-encapotada ao totalitarismo... e mais 15 em francês, para cumprir calendário), fraca sonoplastia, interpretações insípidas (ou deverei dizer "geniais na sua alienação humana"), "planos" questionáveis,... Questões de gosto, talvez! De qualquer forma, tomá-lo como um absoluto exemplo de "cinema de altíssima e irrepreensível qualidade injustamente ignorado pelo público" é, no mínimo, questionável... Nem todas as pessoas que não consomem o seu cinema (ou o de outros nomes supostamente intocáveis) avidamente fogem da chuva a sete apressados pés, coisa que é praticamente sempre ignorada em posts como este.

3:29 da tarde  
Blogger Hugo said...

João D.: concordo em absoluto. Talvez falte um meio termo para chamar público. Mas convenhamos que o público prefere a mera sucessão amorfa de imagens (explosões, carros, etc), o que é um indício de coisas graves. Tal como a literatura light impera, parece que o cinema light também faz carreira...

Anónimo: de altíssima qualidade e absolutamente incompreendido pelo público, sim. Se quer ver um cineasta com um humor similar, sugiro-lhe Ottar Iosseliani...

Não critico quem não consome o tipo de Cinema que eu consumo. Apenas o faço quando são atiradas frases ocas que demonstram absoluto desconhecimento do que se está a falar.

8:36 da tarde  

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