sábado, fevereiro 24

F for Fake, a verdade da mentira


F for Fake, de Orson Welles, apesar de ter como tema principal a mentira, tende a girar, paradoxalmente, sobre dois pólos: a verdade da mentira e a mentira da verdade. Aqui, Welles conduz-nos à tenue fronteira entre verdade e mentira, à zona cinzenta da verosilhança ou da mera possibilidade. Para o efeito, toma como ponto de partida dois célebres falsificadores: Elmyr de Hory e Clifford Irving, autor da (falsa) biografia de Howard Hughes, Welles trilha as várias possibilidades relativas aos juízos que consideram alco verdadeiro ou falso. Assim, vemos colocados em questão os especialistas, os estudiosos, bem como aqueles que dedicam a vida a fazer falsificações...o título indicia que só veremos tratada a mentira é certo, mas, a final, não sai da cabeça do espectador a máxima It's pretty but is it art?
Welles não dá respostas. Apenas coloca perguntas e, graças a um prodigioso trabalho de montagem, transporta esta reflexão para o mundo do Cinema, fazendo o espectador interrogar-se sobre a magna ilusão que o cinema e as suas gentes se esforçam por criar. Neste ponto, é fácil ser-se tentado a dizer que a mentira, à imagem do Cinema, depende apenas da eficácia do mise-en-scène, uma vez que é ele a ditar o realismo/plausibilidade das acções que nele se desenrolam...
Sobra uma certeza: apesar de dificilmente catalogável - documentário? experiência avant garde? ensaio? - F for Fake é uma obra-prima. É Cinema em estado puro.

1 Comments:

Blogger Mutatis Mutandis said...

Uma breve síntese que ilustra algumas das dimensões de uma das maiores obras-primas da 7ª arte, no entanto arredada (infelizmente) do "main stream public"!
Humildemente farei só mais duas questões que o "F for Fake" me fez levantar: filme ou documentário...?...cuja pergunta infinitamente se coloca a riefenstahl, sobretudo no seu "Triunfo da Vontade"?...haverá hipótese de traçar um paralelo estilístico entre ambos? Se sim...qual?
E agora, não como cinéfilo, mas como interessado na veracidade das atribuições que todos os dias se vêm surgir no meio artístico, importa relevar a crítica e a desconstrução que esta peça faz ao papel do chamado "expert", neste caso de obras pictóricas. Não passa despercebido que Elmyr não assina nenhuma das suas obras, sendo estas examinadas e peritadas pelos ditos, que esses sim, estabelecem a atribuição e etiquetação, falsificando eles próprios as pinturas do "inocente" Elmyr".
Resta-me agradecer pelo blog pleno de interesse.

5:02 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home