La maman et la putain
La maman et la putain é um filme de alguém que ama o Cinema. É um acto de amor. Com ele Jean Eustache propôs, de certa forma, o regresso às origens da nouvelle vague, combatendo as tendências de estatismo - o Cinema de "Papa" - que Chabrol e Truffaut vinham manifestando.
Eustache, ao longo de 200 minutos traça um retrato duro dos filhos de 68, perdidos na imensidão do vazio, entre a esperança ingénua no amor que há de vir e o realismo cínico da certeza de uma realidade que nega tais anseios. Aqui é a palavra, desde o prosaico palavrão até ao discurso literário, que assume o lugar de destaque. Não só pelo tom teatral que pauta o discurso do trio amoroso à volta do qual gira o enredo - apenas cortado pelo pungente monólogo de Veronika - mas também pelo recurso à música como projecção dos sentimentos das personagens. Com efeito, veremos Marie absorta ouvindo Les amants de Paris de Edith Piaf, canção que define o seu estado de alma: vazio, em sofrimento, apaixonada por Alexandre.
Alexandre é o eixo à volta do qual giram duas mulheres: Marie (la maman), que lhe dá guarida, e Veronika (la putain), a jovem enfermeira que Alexandre conhece na esplanada de um café. Tudo se concentra em Alexandre (genial Jean-Pierre Léaud), um jovem egocêntrico que salta de paixão em paixão. Alexandre é alguém desligado da realidade. É amoral e dedica-se a representar perante tudo e todos: ele é um intelectual, um apaixonado...tudo para seduzir o próximo. Apesar de datado, La maman et la putain, mantém-se vivo, não só porque reflecte sobre o mais universal dos temas - as relações Homem-Mulher - mas também porque não deixa de ilustrar aspectos da vida moderna, como sejam a condição da mulher, o vazio ou a alienação, se bem que aqui em decorrência do gorar de Maio.
La maman et la putain marca. Porque contém uma premissa sinistra: a de que mais vale uma relação vazia do que uma existência solitária. Por esse motivo, quer Marie quer Veronika degladiam-se por Alexandre. Tudo vale para evitar a solidão. E, pelo meio, ficará o contraste entre a liberdade desta relação a três e a claustrofobia provocada pelo espaço exíguo do quarto. Em La maman et la putain, o quarto é sinónimo de opressão, de asfixia, contrariamente à falsa sensação de liberdade que as ruas de Paris oferecem e que permitem o espraiar dos movimentos e do discurso.
Tudo parece ser destituído de sentido. Os monólogos assemelham-se a um mero somatório de palavras vãs. Tal como a geração de Maio. Uma vez falhada a revolução estudantil, ficou o deserto. É nesse deserto que este triunvirato se movimenta, pondo a nu as incongruências de rituais sociais, do falso moralismo, mas, também, do seu próprio modo de vida, dado que não é movido por qualquer fim. Limita-se a combater, futilmente, o medo da solidão. Trata-se de um mero escapismo.
Eustache, filmando em condições espartanas*, contrabalançou essa frugalidade com a profundidade dos diálogos. A final, fica um retrato agridoce e despojado de esperança. La maman et la putain é o retrato de uma geração, mas é também a prova cabal do seu Amor ao Cinema, conforme se intui pelo facto de Alexandre encontrar sempre uma justificação num filme ou num realizador. E assim desfilam por nós Nicholas Ray, Charlot ou Mizoguchi. Porque Cinema é vida.
*Em bom rigor, nada que Eustache rejeitasse. Uma vez que o seu Cinema é pautado pelo profundo rigor, conforme poderão ver no Ciclo Integral Jean Eustache que ontem começou na Cinemateca.
6 Comments:
Um Monumento! :)
O filme!
Tivesse eu tempo para ir ver esse ciclo, lá estaria caído...
De Eustache só vi mesmo "La mamain et la putain", o filme sobre o triângulo amoroso por excelência, mais até do que "Jules et Jim". Hei-de ver o resto, um dia...
Que pena não ter dado para ir, fica para outra oportunidade!
Eu vou hoje ver o filme ;)
Helena: parece, mas não é. É essa uma das maiores forças do filme. Já para não falar do espancamento emocional a que o espectador se submete.
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