Borat, ou como insultar sem limites
Borat é um objecto que leva o insulto ao extremo. Se, numa primeira aproximação, o tom desafiador com que este repórter fictício se passeia pelos U.S. and A. faz com que se soltem algumas gargalhadas, a sucessão de gags gera o desconforto do espectador e o consequente silêncio.
Efectivamente, as imagens iniciais do Cazaquistão são o absoluto vilipendiar de um país. Fornecem uma imagem terceiro-mundista, atrasada, degradada e, pior, degenerada. Tão degenerada como o próprio tom de Sacha Cohen. Anti-semita, xenófobo, falsamente ingénuo, provocador. Eis alguns dos epítetos que se podem lançar sem problemas a esta personagem sui generis. Como objecto cinematográfico, Borat não tem grandes méritos. Tudo se resume à documentação da realização de um documentário sobre os E.U.A. em que uma viagem à Califórnia e as peripécias que a medeiam acabam por funcionar como fio condutor. Em termos latos - e forçosamente redutores - Borat mais não é do que uma série de apanhados em versão alargada.
Borat vale pelo seu tom provocatório. Sacha Cohen, rectius, Borat visitou e pôs a nu algumas das facetas típicas dos U.S. and A.. A título de exemplo cite-se o inflamado discurso num rodeo em que Borat exorta a Guerra no Iraque para gáudio da audiência. Mas, claro, há o extremo e segue-se o insulto aquando da altura em que canta o hino. Eis, pois, o choque de culturas fictício. Um falso ingénuo que se passeia pelos U.S. and A. cobrindo de ridículo o falso moralismo, as convenções sociais ou a histeria religiosa. Borat marca. Pela sua violência rude e sem freios. Pelo seu tom desafiador.
Poder-se-ia pensar que esta é uma espécia de Cinéma-Verité. Mas, em bom rigor, não pode ser. Borat é mais do que um produto híbrido. É um objecto novo e sem qualificação. Porque Borat é um catalisador/instigador de tudo o que se vai desenrolando. Provoca e a câmara capta a reacção. Não, há, pois a obsessão por filmar a realidade como ela é. Mas, apesar de tudo, capta fragmentos do real, tais como a reacção das pessoas. Mas haverá sempre um questão por resolver: será que os fins justificam os meios? Não terá Sacha Cohen exagerado na forma como humilhou e cobriu de ridículo aqueles com quem se cruzou? É importande dar alguns reflexos das contradições dos U.S. and A., é certo. Mas haverá sempre o problema da proporcionalidade.
Aliás, de certa forma, a questão já estava nas entrelinhas do "filme". Certamente não será coincidência o facto de uma das primeiras entrevistas de Borat ser sobre os limites do humor e sobre quais as piadas permitidas nos U.S. and A. Mutatis mutandis, a mesma discussão/entrevista terá de valer para Borat "filme" e Borat a personagem, se é que ambos podem ser dissociáveis.
Sobre Borat, vide este texto do Francisco Valente.
11 Comments:
...depois há gente que fica lixada por causa do Von trier fazer filmes passados na América sem nunca ter lá posto os pés...e mandam cá para fora porcarias desta...sim porcarias, sem ver, e não quero, nem que me paguem
confesso que ri-me imensamente
e gostei muito do filme Borat, das suas provocações, de sua investida contra o humor 'moralmente e politicamente correcto', dos seus exageros, dos seus segundos, terceiros e quarto graus de humor, da ambiguidade que resulta de sua mistura entre documentário, apanhados e pura encenação.
está claro que as vitimas nao se saem muito bem - foram envolvidas numa situação enganadora, julgando estarem a lidar com um verdadeiro jornalista do kazakstan, mas certo é que disseram o que disseram, e que se ficam mal e envergonhadas, é porque se expressaram julgando que só alguns teleespectadores dum pequeno país terceiromundista como o kazakhstan iria ouvir as suas declarações.
não achei nenhum antisemitismo nem xenofobia no proposito do filme. achei sim que Borat expõe a estupidez de tais atitudes. francamente ninguém pode levar a sério a sequência do inicio no kazakhstan! para mim trata-se antes do ridicularizar duma visão caricatural que os ocidentais têm dos países do leste. da mesma forma a cena do encontro com o casal de velhinhos judeus é claramente o apontar para o o antisemitismo como sendo uma superstição idiota.
gostei da forma assumidamente amadora de filmar as cenas, que nos relembra sempre que este filme é uma obra experimental, livre de questões financeiras na sua produção e assente inteiramente na audácia dos autores.
Borat a arte do insulto?
também pensei nesta questão. tentei resolvê-la imaginando que Borat tivesse passeado por Portugal ou pelo Luxemburgo em vêz dos Estados Unidos. Se ele tivesse feito isso e dessa forma tivesse posto a nu os nossos preconceitos, as nossas ignorâncias (porque todos temos dessas coisas), acho que o meu riso seria igualmente grande e franco.
muito do sentido de absurdo e burlesco do Borat fêz-me pensar no melhor dos Monty Python, no 'Life of Brian', no 'Meaning of Life' ou no 'Holy Graal' que afinal também não passam de um alinhar de sketches, mas que brilham duma irreverencia e duma insolência terriveis.
o nosso mundo tornou-se mais feio desde os anos 70, a época aurea dos Monty Python - não sei se o humor mau e feio do Borat vai ajudar muito. o que sei é que quando as 'vitimas' deste filme se dão conta que tudo foi uma enorme farsa, algumas até se riem com gosto. segundo as ultimas noticias, as autoridades do kazakstan, que num principio ficaram ofendidas com o filme, agora já se declaram contentissimas, dada a publicidade mundial gratuita que receberam através do sucesso do filme e o novo interesse que muita gente demonstra em visitar essa terra.
resumindo, gostei das palhaçadas deste novo e falso ingénuo que arrisca o cólera de quem não compreende uma piada.
e infelizmente o medo e a angustia das gentes do mundo são tão grandes que os impedem de se olharem no espelho e de rirem de si mesmas
plobo
Joseo: foi o resultado de uma bela insónia [abençoadas sessões da meia-noite]
Paulo Lobo: sim, há muito Monthy Python ali. Eu confesso é que a forma como Sacha Cohen alcançou os resultados me deixa preocupado. Foi de forma enganadora e, talvez por isso, tenha obtido algumas daquelas reacções. O que sei é que - conforme diz o Francisco Valente - vai ser muito referenciado.
E sim, se Borat se tivesse passeado por Portugal [ou qualquer outro país] teria exposto muitos dos preconceitos que imperam. É essa, talvez, a única virtude deste "filme". (vai entre aspas, porque não sei qualificá-lo. Não é filme, nem documentário. Fica ali pelo meio ).
Abraço
Uma coisa é não gostar do filme (eu considero de mau gosto), outra coisa é constatar como um filme feito por um grande estúdio e com grande orçamento de promoção, pode servir para humilhar pessoas sem direito de se defenderem de tanto poder. No entanto misturar as coisas é perigoso pois ficamos com uma sensação de censura ou pelo menos de politicamente correcto. Borat deve existir independentemente destas questões.
Spielberg disse que, actualmente não o deixariam fazer novamente o Tubarão, pois seria totalmente chocante ver um tubarão comer uma criança num filme de uma Major... Liberdade sempre!
"Não é filme, nem documentário."
Caro Hugo, um documentário é um filme. O que queres distinguir é a ficção do documentário... :)
Nuno: exacto. É isso mesmo. :-)
Já agora sugiro um debate aqui sobre uma questão colocada pelo Hugo na minha "casa": Deverá o humor ter limites?
Cumprimentos!
Os limites são vários (a moral, o bom gosto, a pertinência) e variáveis (dependendo dos critérios da pessoa que assiste ao dito humor - aqui os spectadores).
Ontem tive de ver o trailer 2 vezes. Já vi Borat suficiente...
Não creio que haja ou devam existir limites para o humor. Haverá sempre alguém que se ria da coisa que nós consideremos a mais estúpida ou ofensiva do mundo, mas se tal acontecer, então é humor , daí concluir, portanto, que não tem limites.
Confesso-me como um defensor da liberdade de expressão, e adepto em particular de humor agressivo e não encontro no caso de Borat qualquer tipo de ofensa. Claro que provavelmente se tivesse um cancro, não iria na altura achar piada a uma piada sobre o assunto, mas estaria a ser hipócrita se condenasse quem a tivesse feito. Porque no fundo, apesar de não existir "cliché" maior, rir é mesmo o melhor remédio enquanto "o raio da comédia humana se continua a propagar".
honestamente adorei o filme. Não pelo teor das piadas, não pelo carácter pitoresco e kitsh da personagem,mas sobretudo porque o filme capta todos os nossos preconceitos e coloca-os em choque. desde a cena inicial no suposto cazaquistão(que não é mais que a imagem que muitos ocidentais e muitos americanos têm de um país qualquer perdido na Àsia), passando pela assimilação de linguagens de um lado, para posterior aplicação noutro- e aqui sacha entra em rota de colisão com toda a concepção do país das liberdades, e dos free thoughts, e do melting pot..da ideia que os americanos gostam de transmitir sobre eles mesmos.
Faz isso de uma forma agressiva? faz. Muitas piadas roçam o mau gosto, e é dentro desse instinto quase alarve que nos rimos(eu pelo menos ri-me do princípio ao fim do filme). Acabamos por nos ver a rir de nós mesmos, nem que seja pelo simples facto de antevermos muitas vezes aquilo que acontecerá.
Mas sacha no fundo o que faz, é criticar todas as concepções que o ocidente tem, face a alguém que é diferente- mesmo de uma forma tãoexagerada. E, sinceramente, não me lembro de ter visto melhor filme sobre choque de culturas do que este "borat". Que é uma comédia dissimulada em documentário, mas sobretudo um objecto sobre costumes e culturas.
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