sábado, julho 8

Os inadaptados

Farley Granger e Cathy O'Donnel em They live by night
"This boy and this girl were never properly introduced to the world we live in"
Dois jovens trocando carícias, beijando-se em pleno idílio amoroso, e é desde logo adiantado ao espectador que os jovens que vê, irradiando felicidade, serão vítimas de tragédia, pois não foram devidamente apresentados ao Mundo em que vivemos. Eis o leit-motif para They live by night de Nicholas Ray.
Bowie é um ingénuo presidiário que se evade com dois cúmplices, Chicamaw e T-Dub. Após um assalto a um banco, os presidiários escondem-se em casa do irmão de Chicamaw, onde somos apresentados a Keechie, pelo que seremos testemunhas do nascimento do amor entre Keechie e Bowie, que apenas desejam levar uma vida normal, como qualquer rapaz e rapariga que estejam apaixonados. Todavia, esse desejo é impedido pelos cúmplices de Bowie, que o levam a participar noutro assalto que sairá malogrado e estará na origem da viagem sem destino do jovem casal.
O que mais surpreende em They live by night é o facto de antecipar muito do que será a obra de Ray. Com efeito, vemos aqui a génese do gosto pelos inadaptados, dos rebeldes sem causa e de todos aqueles que sempre se contradizem. Vagamente inspirado pela história de Bonnie e Clyde, Ray mostra-nos o quão cruel é o Mundo perante aqueles que apenas desejam levar a cabo uma vida normal. Na verdade, o idílio do casal, casado numa capela de casamentos-expresso, apenas durará por breves momentos, em virtude de pairar sobre eles, sempre, a possibilidade de as autoridades deitarem mão a Bowie que, injustamente, é considerado como o cabecilha de um perigoso bando de assaltantes.
Acossados, Bowie e Keechie apenas conseguem viajar de noite, já que se torna mais difícil que estes sejam reconhecidos. Tornam-se os filhos da noite, os que vivem na sombra, sendo que dessa sombra brota, em claro contraste, um amor terno, puro e radioso, tão radioso como os sorrisos embevecidos que vemos quer a Bowie quer a Keechie sempre que trocam olhares. Mas, conforme se adiantava no genérico, ambos não foram devidamente apresentados a este Mundo. Temido por todos em virtude das várias notícias que correm pelos jornais, acabaremos por ver Bowie a ser convidado a sair de uma cidade por um dos líderes dos sindicatos do crime local, dado que Bowie, alegadamente, é sinónimo de sarilhos.
À deriva, tendo apenas o México como destino, o jovem casal acabará por procurar refúgio junto de uma velha conhecida, Mattie. Todavia, esta por amor ao marido que está preso, denunciará o jovem casal. E é nesse momento que vemos Bowie ser fuzilado pelas autoridades, não nos saindo da memória a face lúgubre de Keechie, lendo a carta escrita por Bowie, afirmando que a ama. Amor. Será ele a justificar quer a louca viagem de Keechie e Bowie, quer a traição cometida por Mattie, que apenas queria voltar a viver com o seu marido. Mas, neste caso, mais do que amor, Mattie terá sido influenciada pelo ciúme e pela inveja: também ela terá vivido momentos felizes, também ela deseja o seu idílio com o marido preso. E assim vem a tragédia, culminando na morte de Bowie e no sofrimento de Keechie, apenas atenuado pela leitura da carta.
É este o cerne do cinema de Ray: a intensidade, a emoção e o lirismo. Em Ray vivemos e sentimos o Cinema em velocidade vertiginosa, num verdadeiro turbilhão, prestes a explodir, tal é a tensão latente. Em They live by night vimos um conflito entre a natureza boa do Homem e uma sociedade dura e intolerante, incapaz de o perceber ou deixar que este se apresente confignamente.
They live by night é o filme de homenagem aos inadaptados. É um poema visual em tom lúgubre e melancólico sobre a impossibilidade de atingir a felicidade. Nick Ray sempre privilegiou os pequenos foras-da-lei, os inadaptados e excluídos. Em bom rigor, Ray mais não fez do que fazer Cinema pensando em todos nós. Afinal de contas, a dada altura ou momento todos nós fomos inadaptados. Tal como Keechie e Bowie, nenhum de nós foi devidamente apresentado ao Mundo em que vive.

5 Comments:

Blogger Ricardo said...

Belo texto, embora não concorde com as últimas frases, pois não me parece que toda a gente se tenha sido inadaptado. Há pessoas que se conformam com as normas desta pocilga que é o Mundo, e acabam por constituir uma sociedade opressora - são elas que dificultam a vida aos nossos heróis, no cinema de Ray - e são elas que se deve combater.

11:47 da manhã  
Blogger Hugo said...

Pois, se calhar nas últimas frases deixei falar mais alto a ira que vai em mim em decorrência do exame de agregação que fiz ontem...acho que também eu ontem era um rebelde sem causa.

12:03 da tarde  
Blogger Daniel Pereira said...

Como gosto do cinema de desadaptados de Ray. E o que custa neste é saber, desde logo, que estão condenados - passamos o filme todo a sofrer.

1:03 da tarde  
Blogger Hugo said...

Esse a quem o James Dean deu corpo... Pois. Mas acho que nesse caso o verdadeiro rebelde sem causa é o Plato. Ele é o epicentro de todo o filme: tem tudo para ser feliz, mas não consegue e encontra abrigo junto de outro acossado...

Ele haverá plano mais belo do que aquele em que o Plato morre e o Ray nos dá um oblíquo belíssimo?

Áí o Ray mostrou que sabia dirigir super-produções. Já este "they live by night" talvez seja o filme mais coerente e perfeito deste grande realizador.

9:37 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

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9:07 da tarde  

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