Profissão: errante
David Locke (sublime Jack Nicholson) é um jornalista no deserto africano que, em virtude de frustrações várias, acaba por desistir da sua vida, da sua profissão e da sua mulher. Dando de caras com um homem morto, não resiste a apropriar-se do seu passaporte, assumindo uma nova identidade: David Robertson.
Profession: Reporter funciona, assim, como um exercício magistral sobre a perda e a procura de identidade. Com efeito, ao longo de todo o filme, veremos Locke, perdão, Robertson a procurar assumir a realidade do outro. Assim, acabará por seguir à risca a agenda do falecido, eliminando, assim, paulatinamente, as reminiscências da vida passada. Sob as vestes de um filme policial, as várias incursões de David pela Europa lembrarão um detective privado ou um repórter, já que para assumir o lugar do novo “Eu” será sempre preciso investigar o seu passado.
Todavia, esta veste policial é meramente formal. Profession: Reporter é (mais um) filme sobre a alienação e sobre a incapacidade de pertencer a um determinado lugar. Mas, mais importante, é um filme onde o espectro da morte pairará sempre sobre as personagens. Vemos o périplo de David por um cemitério, vimos a execução de um rebelde em África, tal como veremos a jovem rapariga (Maria Schneider) dizer que desaparecem pessoas todos os dias. É este fantasma que pesa sobre ambos e, provavelmente, impele-os para um romance intenso. Intenso, mas pleno de contrastes. Com efeito, a errância de David, sempre fugindo à morte, encontra o contraponto perfeito numa jovem pragmática que se deixa guiar pelo bom senso.
Ente o ideal e o real, Profession: Reporter flui lentamente. Acossado pela consciência da finitude, acabaremos por ver David a render-se aos seus assassinos. E, como se fosse necessário, Antonioni brinda-nos com todo o seu virtuosismo num longo plano que começa no quarto do hotel e acabará focando a jovem rapariga no exterior. Apenas voltaremos ao interior quando a jovem filha tenta abrir a porta do quarto e depara com David morto.
Entre ambas as dimensões apenas encontramos as grades da janela. As mesmas grades que nos acorrentam à nossa identidade e ao nosso passado. David fugiu de um passado, assumindo o de outrem com o fito de se libertar. Apenas conseguiu a total identificação com a personagem que assumiu e foi esse o passado que levou à sua morte. A sua mulher não o reconheceu, mas a jovem rapariga sim. Talvez porque ela, efectivamente, o conheceu.
Neste ir e vir de perspectiva, vimos todo o virtuosismo de Antonioni. Plano longo e desmesurado? Talvez. Mas, como sempre em Antonioni, tem a virtualidade de nos mostrar que a realidade que os nossos olhos percebem é filtrada. Não é à toa que Antonioni sói filmar através de janelas ou de outros objectos. Há sempre algo que se interpõe entre o ser e o que percebemos. Daí que ver a Verdade (se é que ela existe) seja um exercício frenético e claustrofóbico que implica a total atenção por parte do espectador, a quem cabe a tarefa de interrogar-se sobre o que viu.
No fim, apenas a dolente banda sonora e a projecção para o infinito. Afinal, num filme sobre a perda de identidade e sobre alienação este seria o fim mais coerente.
2 Comments:
A ver muito brevemente!
Agora está na moda dizer que este é o filme mais maduro de Antonioni, mas uma coisa é certa: é (mais) um filme fantástico.
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