terça-feira, junho 27

Verdades dogmáticas (inabaláveis?)

Lars Von Trier
Ao cuidado do meu amigo Tiago:
I
Lars Von Trier é um génio que desperdiça o seu talento com uns ângulos de câmara absolutamente grotescos, com o pretexto de querer que o espectador sinta todas as emoções dos actores.
II
Lars Von Trier, no seu afã de ser o faz-tudo dos seus filmes tem momentos dignos de filmagens amadoras: a câmara desfoca vezes de mais...
III
Lars Von Trier, sob o pretexto de redescobrir a pureza do Cinema, acabou por querer dar-lhe uma machadada final. Um exemplo: Dogville que, apesar de ser um grande filme, não o é. Efectivamente, vimos uma (grande) peça de teatro em tons brechtianos, sob as vestes de filme.
IV
Von Trier, signatário do manifesto Dogme 95, recusa-se a segui-lo na íntegra. Na verdade, os seus filmes não fazem nem de cenários reais, nem de luz natural (veja-se Dancer in the dark ou, ainda Dogville). Acaso enjeitará Von Trier o movimento que também perfilhou?
V
O Cinema de Von Trier não chega a ser o cinema puro a que se referia Bazin, a propósito do neo-realismo. Motivo: apesar de toparmos com uma câmara livre, há sempre uma artificialidade que perpassa por todo o filme. No neo-realismo, os actores amadores e a naturalidade quer do cenário quer das histórias, confluiam para um Cinema verdadeiro, pleno de emoções reais. Numa palavra: puro.
VI
Claude Lelouch era satirizado por ser o realizador que filmava com a câmara por trás do ombro. Em bom rigor, o epíteto encaixa melhor a Von Trier. Na perfeição, diria eu (se bem que a distância entre Lelouch e Von Trier como realizadores seja abissal. Com vantagem para Von Trier, obviamente).
VII
Apesar destes prós, gosto do Von Trier. Os filmes dele têm um teor filosófico que muito aprecio. Pena é não sentir nos filmes dele a Humanidade que perpassa por todo o Cinema de François Truffaut e, acima de tudo, Jean Renoir. Hélas!
VIII
Salvo circunstâncias manifestamente excepcionais, como cataclismos naturais, motins ou levantamentos populares, verei Manderlay no dia de estreia daqui a alguns meses.

8 Comments:

Blogger Daniel Pereira said...

Não conheço tantos filmes de Von Trier para falar da sua obra, mas gosto muito de "Dogville", gosto um pouco menos de "Dancer in the Dark". Mas não é por aí que quero ir.

Quero alertar para o ponto V. Acho que sei o que queres dizer (já são muitos textos lidos) neste ponto. Mas há frases que, se calhar, podem ser entendidas mal.

"Motivo: apesar de toparmos com uma câmara livre, há sempre uma artificialidade que perpassa por todo o filme."

Mesmo no neo-realismo há artificialidade, todo o cinema o tem. Se nuns casos ela é maior? Certo. Mas parece-me que baste ela existir.

Depois dizes: "No neo-realismo, os actores amadores e a naturalidade quer do cenário quer das histórias, confluiam para um Cinema verdadeiro, pleno de emoções reais."

Por isso, creio que não podes utilizar "cinema verdadeiro" porque todo o cinema é ilusão.

"pleno de emoções reais" vai pelo mesmo caminho, a não ser que seja do lado do espectador.

Repito: sei aquilo que queres dizer. Mas não sei se desta vez escolheste as melhores palavras.

Grande abraço.

11:27 da manhã  
Blogger Hugo said...

Verdadeiro no sentido de puro, à la Bazin, com emoções reais, isto é, capazes de serem sentidas e vividas por qualquer um...

No "Dogville" tenho essa dificuldade. Fico sempre com a sensação de que estou a ver representações maquinais. Daí que me refira ao artificialismo.

Mas sim, não andei muito feliz na escolha do vocabulário...

Abraço!

12:02 da tarde  
Blogger Tiago Barra said...

Caríssimo Amigo :


1) Ao contrário do Daniel Pereira conheço toda a obra de Lars Von Trier, e a técnica cinematográfica utilizada pelo realizador não se subsume às proteladas pelo manifesto Dogme 95;

2) Convém ter presente que há o antes, o durante e o depois, isto dependendo se estamos a falar de "Dickens", através da «Companhia Royal Shakespeare» que consistiu na primeira experiência televisiva com chancela Von Trier ( onde predominam as influências de encenação de Trevor Nunn de "Nicholas Nickleby" e que serviu de inspiração para todo o mapa geográfico de "Dogville"), ou se estamos a falar de "Epidemic"(1987) um dos filmes mais bem conseguidos da sua vasta obra pelos momentos de intensidade que conduzem ao pesadelo de Berlim - (um piscar de olhos para a gripe das aves que se avizinha?) - os génios antecipam-se no tempo!
Outro filme diametralmente oposto, "Europa"(1991) dita a estória de um revisor nos caminhos de ferro da 2ª guerra Mundial (argumento muito original).

Estes pequenos retalhos da obra de LVT (podia citar outros) são obras anteriores ao manifesto e são do mais preto e branco de que há memória...demonstrando elas a falta de apelo aos “cenários naturais”(recintos fechados – cfr. salas de operações, grutas, comboios).


3) Não creio que a humanidade patente em "Dogville" possa surpreender os espectadores a quem os filmes de Straub, de Rohner ou de Renoir sejam familiares, isto porque o filme abre caminho para uma verdadeira relação entre o cinema e o teatro.

4)O Filme é uma fábula, uma parábola. Mostra-nos que a humanidade nem sempre é bonita. E quem melhor do que um Ser Humano para entender o amargo que pode trazer o excesso de humanidade ?

5)Com todo o respeito, não se encontra qualquer alusão à utilização de luz natural em qualquer uma das dez regras do manifesto Dogme 95.

6)Elas são, em resumo, as seguintes: as filmagens têm que decorrer em cenários naturais, sem qualquer tipo de décor ; o som tem de ser directo; a câmara tem que ser movimentada à mão; o filme é obrigatoriamente a cores; não são permitidos filtros ópticos; o filme não deve conter armas ou temas inaceitáveis; o tempo narrativo é sempre aqui e agora; não são aceitáveis “filmes de género”; deve ser filmado em 35 mm; e o realizador não deve ser creditado na ficha técnica.

7) "Dogville" entra em contradição com alguma destas regras? Na minha modesta opinião, Não. Até porque os cenários utilizados são os de um palco de teatro - "cenários naturais" não são a mesma coisa que "luz natural".

8) Gostaria que tivesses abordado a Sinopse, isto é, explicando a cruel maneira como ‘Grace’ descobre o quão relativo é o conceito de bondade.

9) Falta de luz natural em “Dogville” ? faço minhas as palavras de Lars Von Trier em resposta directa a essa critica : “Perdeu-se o lado fílmico, como havia em Kubrick, quando se esperavam dois meses pela luz certa nas costas de «Barry Lyndon». Achava isso magnífico. Mas hoje está-se à espera só dois segundos em frente a um computador e um puto atrás do computador trata disso..., É outra forma de arte, mas não me interessa. Já não vejo os exércitos nas montanhas, só vejo o adolescente a dizer “vamos corrigir isto, acrescentar sombras e trabalhar as cores”.

10) “Dogville”, como disse, abre caminho para uma relação entre cinema e teatro na aparição de Bertold Brecht e do seu teatro épico sob ponto de partida da canção “Pirate Jenny”, da Ópera dos Quatro Vinténs e daí se explica o ênfase atribuído ao tema da vingança bastando recordar a frase chave desse grande nome : “Perguntaram-me quantas cabeças rolariam e o silêncio envolveu o porto quando respondi: todas!”


11) Não esquecer as constantes referências à literatura anglo-saxónica clássica pela voz omnisciente do narrador, de "Fielding" a "Dickens" (já referido) e na divisão por capítulos (em mais um piscar de olhos a “Barry Lyndon”, de Kubrick).

12) Para concluir, gostaria de salientar que o cão ladra. De vez em quando, há um plano aéreo da cidade: é um mapa desenhado no chão, pisado por figuras humanas. Há referências musicais riquíssimas a Vivaldi enquanto o vento sopra e a neve cai, e há também o genérico final com “Young Americans”, de David Bowie (o disco em que o cantor, em 1975, se inventou como cantor "soul").


13) Uma Obra Prima.


Abraço.

7:36 da tarde  
Blogger Hugo said...

Tiago:

i) Relativamente às luzes artificiais:Directamente do sítio oficial Dogme 95 (http://www.dogme95.dk/), scção FAQ:

"Is it really true that you cannot use props, costumes and music? Yes. No props, no additional sound and so forth. The essence of Dogme95 is to challenge the conventional film language – in order to make authentic films, in search of the truth. This implicates cutting out the usual aesthetic means of adding sound, light, make up, “ mise en scene”.(...)"

Logo, não há lugar para artificialismos como a iluminação ou os décors. E em Dogville temos luz teatral, logo artificial (em alguns pontos lembra "Os malditos" de Visconti...)

ii) O que critico no Von Trier é não seguir à letra o manifesto que subscreveu. Mais nada. Mas, pelo contrário, à câmara controlada pela mão tout court produz efeitos grotescos e indesejáveis.

iii) Não é só LVT a não seguir o manifesto. O próprio Vinterberg confessa que já dobrou as regras...

iv)Sim é uma fábula, mas a Humanidade pura e bela do Renoir não está ali. Mais, em Renoir, as interpretações são plenas de força, sentimento e vivacidade (com Jean Gabin à cabeça). No Dogville, por exemplo, os actores por vezes parecem máquinas...e isso não é pureza, sobretudo se tivermos em conta o leit motiv do filme...

v) Sim, a divisão por capítulos lembra o Barry Lindon. Apesar disso prefiro, por exemplo, os falsos capítulos de Pierrot le fou.

vi) Em suma, prefiro a anarquia plena de sentimentos do Godard da primeira fase, a esta artificialidade maquinal de Dogville.

vii) Apesar disso - reitero! -, e algo estranhamente, gosto do Von Trier. Quer como cineasta, quer como ideólogo.

Abraço!

8:30 da tarde  
Blogger Tiago Barra said...

1) O manifesto refere-se-lhe como "aesthetic means of adding sound, light, make up", não distingue luz artificial de luz natural, ora a diferença está no tipo de luz, onde antes era Natural agora é Artificial - nos suaves predicados do «Dogville Confessions» percebe-se como se dão Luz às sequelas implementadas - sobretudo na cena inicial em que os gangsters aparecem e o pai de Grace praticamente passaria despercebido não fora os retoques dados por Von Trier através dos Focus de Luz artificial.

2) A produção de efeitos grotescos e indesejáveis provocados pelo manusear da câmara é perfeitamente incidental e não é patente no grosso do filme.

3)O artificialismo maquinal dos actores é perfeitamente intencional e ao contrário do que sustentas, tem relação directa com o leit motiv do filme.

senão vejamos:

3.1) O Dogville não se pauta pelo estilo Neo-realista (atendendo aos exemplos clássicos de cinema que referiste), logo não podes exigir dos actores um "pleno de emoções reais".

4)O filme é concebido como uma homenagem à técnica narrativa dos capítulos de Barry Lyndon (com "Y").
O argumento de DOGVILLE está dividido em cenas como indicação liminar: a cena em que tal coisa vai passar... Cenas e NÃO Capítulos, porque só a primeira é uma palavra equívoca, como se costuma dizer : "é uma palavra tanto teatral como cinematográfica".

Abraço.

9:21 da tarde  
Blogger Hugo said...

Pois que não estás a ver bem:

Não adicionar luz (entre outras) é recorrer a luz natural. Se não, como explicar a proibição de filtros? (sem filtros não há noite americana)

A referência ao neo-realismo serve só como ponto de apoio para indagar da pureza almejada pelo Dogme (Bazin referia-se ao neo-realismo como puro...).

Olha que esse grotesco é, até, recorrente. Desfoca vezes de mais, de forma repetida...daí que diga que lembra um vídeo amador (eu sei que a ideia é democratizar o acesso à realização de cinema, mas há limites).

Capítulos sim. Para cenas têm duração desmesurada...

Mas, novamente, até que gosto do Von Trieir. A nossa diferença de opiniões prende-se com a distância com que avalio os méritos dele como cineasta... só isso!

Caríssimo, depois desta salutar troca de argumentos, quando é que tratamos de ir beber um copo? :-)

Abraço!

9:39 da tarde  
Blogger Hugo said...

Eu também acabo por reter o elemento "filosófico", mas, co'os Diabos, aquela handycam exaspera-me! (No Dogville, então...)

9:16 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

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5:21 da manhã  

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