domingo, junho 18

Reflexão nocturna

O Pensador de Rodin

Sempre houve e sempre haverá blockbusters. Se nos anos 50 os cinemas eram invadidos pelos peplum italianos e nos anos 60 pelos Western Spaghetti, passando pelos inúmeros filmes de aventuras com que Hollywood nos bombardeou durante anos (e que muito nos fizeram sonhar quando petizes), é certo que, em muitos deles, conseguíamos identificar actores. Rostos expressivos, olhares pungentes, histórias com emoção..
Nos tempos que correm, vemos thrillers psicológicos, bem como tecnológicos (na senda do sucesso de Matrix), passando por inúmeras orgias de efeitos especiais de que séries como Star Wars, por exemplo, são o expoente máximo. Panorama confrangedor, porque, cada vez mais, resulta difícil encontrarmos um actor ou uma actriz nessa salgalhada de efeitos computadorizados. Por via de regra, esta desumanização conduziu à própria mecanização das interpretações e, pior, à negação do Cinema, dado que a esmagadora maioria das películas visam captar a atenção dos sentidos, mas não curam de espicaçar a reflexão sobre o Mundo que nos rodeia.
Não deixa de ser triste e, de certo modo, confrangedor e tragicómico, que muitos dos cineastas mais interessantes da actualidade já tenham uma idade respeitável. Alguns exemplos: Ingmar Bergman (veja-se o belíssimo Saraband), Bernardo Bertolucci (The Dreamers), Claude Chabrol (apesar de, de certo modo, ter aderido ao Cinema que a sua geração criticou e atacou), Wim Wenders (mau grado alguma "travessia do deserto"), Milos Forman, Woody Allen ou Pedro Almodóvar, só para citar alguns.
Ou seja, não assistimos a uma verdadeira e própria renovação geracional. Pior, muitos dos cineastas promissores que vão surgindo acabam por aderir ao fausto hollywoodesco (um mero exemplo: Fernando Meirelles). Aliás, talvez aqui não fosse despiciendo relembrar a humildade de Truffaut que, após ter realizado Farenheit 451, optou por permanecer pela sua França natal, recusando voltar a realizar um filme americano, apesar das inúmeras ofertas recebidas. Dito de outro modo, o espírito rebelde e independente dos grandes cineastas parece ter entrado em crise.
Em qualquer caso, não deixa de ser curioso que tenham sido pequenas produções a dominar o ano de 2005, prova indelével que, o mais das vezes, com poucos recursos pode fazer-se bem. Com efeito, um grande filme pode ser feito com poucos meios (À bout de souffle de Godard, La maman et la Putain de Jean Eustache ou L'avventura de Antonioni são exemplos acabados), conforme apontavam os postulados básicos da Nouvelle Vague: luz natural, espaços abertos, cenários reais, histórias sobre as pequenas coisas do quotidiano... algo que, de certo modo inspirou movimentos como o Dogme 95. Contudo, este movimento é espúrio. Basta atentar que um dos seus subscritores, Lars Von Trier, apenas rubricou um único filme com o selo Dogme 95...
Sendo assim, não deixa de ser com agrado que vejamos o desabrochar de cineastas como Sofia Copolla ou Wong Kar Wai ou a confirmação de nomes como os irmãos Dardenne ou François Ozon - isto apenas para citar dois nomes que têm andando na berlinda neste quintal à beira mar plantado. Apesar disso, sempre temos o Quentin Tarantino, provavelmente, o último dos Mavericks americanos, a par de um quase desaparecido Paul Thomas Anderson. Em qualquer caso: pouco, muito pouco.
Mas, provavelmente, estas linhas acabas de verter à guisa de reflexão não são mais do que um mero sinal de que não passo de um Velho do Restelo apegado a uma ideia romântica de Cinema e de fazer Cinema...

5 Comments:

Blogger manu said...

curiosamente, acabou por responder à pergunta ke andava para lhe fazer há dias.
precisamente, o ke achava de alguns filmes, tão elogiados por público e crítica dos kuais não consigo ver uma única cena completa porke os cenários são imitações ridiculas da realidade como n"o pianista" ou pk os actores, como no "novo mundo", com a intenção de serem expressivos caem num sensacionalismo ke transforma tudo akilo numa palhaçada deprimente.
mesmo nos últimos filmes de ozon se nota essa tendência com a desculpa de tentar tornar o cinema francês mais visível pelo mundo fora.
obrigado.

8:07 da manhã  
Blogger Ricardo said...

Mais um grande texto (a sério Alves, esta tua escrita é mais interessante e oportuna do que a de alguns críticos de jornais)

Em relação aos blockbusters, não concordo na totalidade. Adorei Star Wars - Revenge of the Sith (ver a minha critica http://www.cinema2000.pt/ficha.php3?id=4799 ) e achei que estava ao nivel do Saraband e muito acima de Million Dollar Baby, o overrated film par excellence, do malfadado ano que passou. Pungentemente, Revenge of the Sith parece também ter encerrado uma época na história do cinema, como George Lucas recentemente notou.

Dos autores modernos que disseste, muitos parecem-me ser sobrevalorizados - Almodovar, Coppola, Ozon, e até Woody Allen, creio. De Bertolucci e Chabrol pouco vi, e de Von Trier e dos irmaos Dardenne nada conheço.

O cinema europeu é um bastião a suster irrevogavelmente (para retirar crescentemente o mononopolio aos eua), e vero, mas também tem muitos embustes...

1:31 da tarde  
Blogger Hugo said...

Manu: acho que, de facto, essa boa intenção de expressividade, muitas vezes, conduz a resultados indesejáveis. Em qualquer caso, acho que o problema d' "O pianista" prende-se com o facto de Polanski já ter chegado à faze em que faz "cinema de Papa" (deseignação dada pelos turcos dos Cahiers ao Cinema de qualidade francês dos anos 50). longe vão os tempos de filmes como "cul-de-sac"...

Rocardo: apenas usei o Star Wars como exemplo para salientar que, cada vez mais, são os computadores a "representar" e não os actores. Não acho que esses "modernos" estejam sobrevalorizados. Apenas fico algo decepcionado com o facto de eles serem o mais interessante que por aí se faz...

E sim, a Europa é um bastião a manter. Aliás, a ideia do Dogme 95 era essa: fazer filmes provando que era possível competir com Hollywood. By the way, "Manderlay", o novo do Von Trier, estreia daqui a poucos meses. E não. Que se saiba, não tem selo Dogme 95 :-)

Abraço!

PS - OK, o Woody por vezes é sobrevalorizado (nem com Fellini ou Visconti me lembro de classificações como "allen menor" ou "allen maior" para classificar os filmes). Mas creio que isso deve-se ao facto de muitos que vêm Allen desconhecerem muito do que já se fez.

2:21 da tarde  
Blogger Tiago Barra said...

caro Hugo Alves

Gostaria de o felicitar pelo excelente texto, sem deixar de tecer breves considerações.


1) Concordo quando afirma que hà "negação do Cinema, dado que a esmagadora maioria das películas visam captar a atenção dos sentidos, mas não curam de espicaçar a reflexão sobre o Mundo que nos rodeia" - e "Star Wars" talvez não tenha o condão de nos fazer reflectir num estilo marcadamente intlectual, porque é cinema mais Naíf mas que não deve ser associado ao balofo.

2)A Saga da Guerra das Estrelas não se confunde com os denominados "Blockbusters" (a expressão é sua) por tudo o que nos trouxe de novo no plano dos efeitos especiais do cinema da década de 80(finais de 70), basta pensar como a maior parte do público associava até então ficção cientifica aos cenários oscilantes de "Star Trek", lado a lado com os tampões presos por um fio, de "Plan 9 from Out of Space"(1959), de Ed wood.

3)George Lucas não se limitou a fazer um filme de 11 milhões de dólares (um orçamento modesto sem perspectivas de retorno),não, ele realizou um clássico que rendeu cerca de 400 milhões;

4)"Star Wars" não revelou desumanização no seu enredo nem orgia computadorizada de qualquer espécie(aliás bem pelo contrário).

5)"Star Wars" fez nascer três actores de qualidade que atingiram o estrelato : Alec Guiness, Harrison Ford e Carrie Fisher.

6)A lista de realizadores veteranos que apresentou é válida, mas os seus últimos filmes não foram acolhidos com simpatia junto do público de cinema alternativo, tendo merecido as mais duras criticas por estarem longe do nivel de qualidade de outrora, refiro-me a "Saraband" e "Match Point".

7)O Movimento subscrito pelos cineastas escandinavos é tudo menos espúrio.
Recordo que foram realizados diversos filmes sob a chancela Dogme 95 :
"Festen"(Thomas Vinterberg),"Mifune"(Soren Kragh-jacobsen) e de Lars Von Trier não foi apenas um filme, senão vejamos :
"Idioterne" (posterior à assinatura de 95), e os INESQUECIVEIS "Breaking The waves" e "Dogville" - os dois últimos com o estilo subversivo patente nas regras do manifesto...


*A talho de foice, sugiro que coloque qualquer um destes realizadores na lista dos Links que tem no seu blog.


Saudações cinéfilas,

T.B.
(fã da sua blogosfera) :)

2:39 da tarde  
Blogger Hugo said...

Caro Tiago Barra, apenas algumas notas:

i)Quando me referi ao Star Wars estava a pensar nas prequelas realizadas recentemente. POr lapso, não ficou patente de forma expressa no texto.

ii) Essas sim, o mais das vezes assemelham-se a uma orgia de efeitos especiais.

iii) Da saga original, cumpre salientar que Alec Guiness já estava no estrelato (veja-se o paradigmático "bridge over the river Kwai).

iv) Sim, os Star Wars originais não eram totalmente desumanizados. Com efeito aquela visão maniqueísta do Mundo não é tão redutora como pode porecer à primeira vista.

v) E, por isso mesmo, foram e são um marco na História do Cinema. Todavia, já não se poderá dizer - creio - o mesmo dos últimos...

vi) Dos realizadores "veteranos" que referi, apesar de os filmes mais recentes não estarem à altura de obras prévias, não é menos verdade que esses filmes foram do melhor que se viu nos últimos anos.Mormente, "Saraband" e "the dreamers".

vii) Quanto a Von Trier, "Idioterne" é o único filme que consta da lista oficial Dogme 95. Mas sim, é verdade que "Breaking the Waves" e "Dogville" têm muitas influências do manifesto Dogme.

Ah - convém não esquecer - muito obrigado por ser fã desta blogosfera, pelas palavras simpáticas e reparos tecidos. Como é consabido, do diálogo nasce a razão :-)

Abraço!

11:19 da tarde  

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