Todo o Mundo numa bicicleta
Apontado por muitos como uma das obras máximas do neo-realismo, Ladri di biciclette é um filme sobre emoções humanas.
Na Itália do Pós-Guerra, o emprego é um bem escasso e apenas o facto de possuir uma bicicleta permitirá a Antonio trabalhar a colar cartazes. A bicicleta, metáfora de sonhos e esperanças que traz a crença num futuro melhor e que levará à dor angustiante da incapacidade de ganhar o seu sustento e da família.
A bicicleta, símbolo da libertação e de prisão, será uma faca de dois gumes. Com efeito, após o furto da máquina, Antonio embarcará numa verdadeira peregrinação por toda a Roma, à procura da sua salvação, a sua bicicleta, passaporte para o emprego e para a felicidade. Antonio, homem sério e honesto envidará todos os seus esforços, que sairão sempre malogrados: irá à Polícia, onde lhe dirão que há coisas mais importantes no Mundo do que uma bicicleta.
Esta banalidade do filme é indiciada, de certa forma, pela deixa de um dos polícias: quando o seu superior lhe pergunta pelas novidades, responde Niente. Una Bicicletta. E será essa banalidade que permitirá viajar pela Roma do Pós-Guerra, a Roma das periferias, sem infraestruturas, onde os habitantes pululam sem destino, bem como a Roma do centro, onde todos lutam entre si, roubando, mentindo e escarnecendo do próximo. Uma Roma que mais não é do que um mercado de objectos em segunda mão, tal como as inúmeras vendas de rua que invadem a cidade.
Será este ambiente hostil o berço da estreita relação entre Antonio (Lamberto Maggiorani) e Bruno (Enzo Staiola). Veremos a crescente esperança de Bruno em encontrar a bicleta e o desencanto de Antonio por não o fazer. A bicicleta vira obsessão. E se veremos inúmeros grandes planos da máquina, também veremos muitas bicicletas à distância, indiciando quer o desejo de Antonio, quer a impossibilidade em atingir o seu fim.
Atormentado pela necessidade de ter emprego, Antonio decidir-se-á pelo furto e será detido por populares diante do filho Bruno. E será o olhar angustiado e as lágrimas convulsivas deste que levam a que Antonio não seja encaminhado para a Esquadra. Momento tocante em que Bruno perdoa o Pai e este lhe dá a mão, aceitando o destino fatal. Ante escassos laivos de solidariedade, todos se desinteressaram do drama banal de Antonio e é esse desinteresse que motiva e desenvolve a relação tão estreita de Antonio e Bruno: comungam do mesmo fim. E será perante uma cidade adversa que darão as mãos, lancando-se à estrada, sempre na crença de um futuro melhor.
Não vimos os típicos postais de Roma. Vimos a Roma das vielas e travessas, dos locais pouco recomendáveis (algo que Pasolini recuperaria com a temática dos borgate e dos ragazzi di vita), mas esquecemos tudo isso. A pureza da relação entre Bruno e Antonio a tanto obrigou.
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