segunda-feira, janeiro 30

Primeiras notas sobre o cinema de Antonioni

Michelangelo Antonioni, génio pós-moderno

Michelangelo Antonioni é aquilo que, em tom de graça, costumo designar pelo cineasta da ausência e da pós-modernidade. Hoje é a primeira tentativa minimamente séria que farei para desenvolver de modo sistematizado essa ideia. Sendo assim, cumpre fazer alguns esclarecimentos:
i) ausência, é usado num sentido amplo, que vai desde o mais óbvio (o desaparecimento de alguém em L'Avventura) até ao mais refinado (a ausência de afectos de L'eclisse, que está na origem de uma sucessão belíssima, mas tenebrosa, de planos onde reencontramos os espaços percorridos habitualmente pelas personagens, mas sem a presença destas);
ii) pós-modernidade não é utilizado na acepção lyotardiana de estudo sobre o conhecimento. Pelo contrário, é algo mais modesto, consistente no advento e superação do modernismo (de Marinetti) que esteve na base da apologia das máquinas e gerou, quase de imediato, uma profunda decepção/depressão, fruto da verificação de que o progresso industrial não é um somatório de maravilhas tecnológicas. Bem pelo contrário.
Ora, Antonioni move boa parte da sua obra girando sobre estes dois eixos, sendo que a pós-modernidade é, de facto, o critério reitor donde fluirão vários sentimentos negativos e onde, acima de tudo, teremos a possibilidade de ver um desfile de personagens vazias, desequilibradas e à beira da loucura. Basta atentar no ambiente que rodeia as personagens para facilmente se detectar que esse desequilíbrio é o resultado ambiente, bem como do meio social a que se pertence.
Trata-se de um aspecto por vezes negligenciado, mas as personagens de Antonioni movem-se, regra geral, no seio da alta burguesia, o que poderia permitir uma leitura classista, onde se diria que o dinheiro e o poder esvaziam o Homem. Nada disso (quando muito, poder-se-á dizer que Antonioni vive deslumbrado por esse meio). Esse alheamento da realidade envolvente é a natural consequência de um Mundo onde é acentuada a necessidade de se produzir em abundância e de descurar as relações interpessoais. Basta atentar em Piero (Alain Delon em L'eclisse): um jovem e ambicioso corretor de bolsa que, por mero acaso, conhece Vittoria (Monica Vitti), iniciando uma relação com ela. Mas trata-se de uma relação onde não há Amor. Este é ausente. Quase que se diria que os personagens vivem na ténue ilusão de que as coisas correrão bem, até ao momento em que se verifica que não. Marca-se um encontro, mas ninguém aparece.
E aí surge o primeiro dos grandes méritos de Antonioni: temos o retrato de uma sociedade feita de quotidianos, sendo que só temos a verdadeira percepção de que vivemos em tal rede de hábitos quando esta é quebrada. É essa a força do segmento final de L'eclisse: Antonioni mostra que o quotidiano é uma realidade que se impõe sobre todos nós sem darmos conta. Apenas quando fazemos algo diferente (ou quando vemos algo "anormal") é que temos essa percepção.
A ausência de valores é ainda mais vincada no filme inicial desta trilogia: L'Avventura. Aqui, sob o pretexto de ir procurar uma mulher desaparecida, o noivo (Gabrielle Ferzetti) e a melhor amiga desta (Monica Vitti), acabam por envolver-se. Ou seja, temos a prova de que o Ser Humano é volúvel e mutável, tal como os seus intentos e, como consequência, vemos o jovem casal esquecer-se, progressivamente, do objectivo inicial que os impeliu. Sucede que, também aqui, esta relação está condenada ao insucesso, devido ao carácter, digamos, empedernido, de Sandro (facto que permite apontar, de certa forma, uma faceta feminista ao filme).
Monica Vitti em L'Avventura
Já em La notte encontramos um casal (Marcello Mastroiani e Jeanne Moreau) onde não há qualquer vestígio de amor. Assim se percebe que Tommaso (Marcello Mastroiani) venha a ter uma relação extraconjugal com Valentina (Monica Vitti). O que é deveras curioso é que Tomaso e Valentina conhecem-se no dia em que pai desta falece e é precisamente nesse dia que se inicia a sua relação amorosa (lembre-se que o filme se passa num único dia). Novamente, temos Antonioni a mostrar que o Ser Humano não tem escrúpulos e se move por instinto.
Digo mostrar e não provar ou demonstrar, porque o próprio Antonioni tinha por hábito afirmar que contava uma história por imagens. Daí a sua fama de grande perfeccionista do mise-en-scène e da fotografia. Trata-se, creio, de uma faceta que é facilmente explicável conhecendo o seu percurso inicial: Antonioni começou a sua carreira fazendo documentários e, de certa forma, é o que Antonioni faz com mestria ímpar nos seus filmes: documenta certo sector da sociedade, tendo como base um argumento (regra geral de Tonino Guerra). E é esse estilo simultaneamente cru e belo que não pára, ainda hoje, de fascinar.
Uma das "técnicas" que ainda hoje não pára de surpreender pela beleza e pela eficácia é a que consiste na projecção dos sentimentos das personagens na personagem envolvente: só assim se percebe, por exemplo, a utilização de um tenebroso som de folhas de árvores em L'eclisse e Blowup. Ora, se é certo que este recurso permite alargar o "raio de acção" das personagens, também não é menos certo que temos exemplo do inverso, plasmado de forma categórica em Il deserto rosso, onde um complexo industrial e o meio envolvente se imiscuem na forma de pensar das personagens alterando-as e fazendo com que tenham de procurar escapatórias. Assim se perceberá a necessidade de contar a fábula da menina da ilha ou a necessidade de um grupo de amigos se deslocar para um casebre, onde poderá conviver.
Mais do que puro diletantismo ou ausência de valores, tais opções mostram uma indesmentível pressão que o meio exerce sobre as pessoas, sendo esses subterfúgios uma escapatória à normalidade, e ao omnipresente risco de insanidade. Trata-se, quase, de um grito de desespero dizendo "Estou vivo!". Nada aliás que não existisse em momentos prévios da filmografia do Mestre italiano: atente-se na necessidade de Vittoria e as suas amigas (em L'Eclisse) terem de recriar uma sessão de danças africanas para terem sensações novas e, simultaneamente, lembrarem-se de alguém querido (e ausente).
O culminar desta ausência, desta necessidade de escapatória será atingido em Blowup, quando a personagem de David Hemmings, ao constatar que não conseguiu deslindar o homicídio no parque (visão? realidade? sonho?), vendo um grupo de mimos jogar ténis mental acaba por aderir a ele. Se, inicialmente, esse jogo é visto de modo impassível, paulatinamente, Hemmings adere ao jogo acompanhando a movimentação de uma bola imaginária. Aliás, a sintonia é tanta que a própria câmara de Antonioni segue a bola. Rectius, Antononioni segue a bola, como que concordando que há realidades para além da realidade (a tagline do filme é Sometimes reality is the strangest fantasy of them all) e que somos forçados a aderir a elas, como se estivessemos a ser anestesiados relativamente à vida com que lidamos todos os dias (como diz o português: Só se tem saudades do que não se tem).
É essa a força do cinema de Antonioni: mostra-nos que a realidade que vivemos não é, forçosamente, um mal necessário. Pelo contrário, cabe a todos nós torná-la mais leve, nem que mais não seja escapando para outros Mundos. Citando um dos mais belos diálogos de Il deserto rosso, podemos ter, de certa forma, o "sumário" do cinema Antonioniano:
"Giluliana: Ma cosa vogliono che faccia coi miei occhi? Cosa devo guardare?
Corrado: Tu dici: cosa devo guardare? Io dico: come devo vivere? E la stessa cosa"
PS - isto é um mero working paper. Coisas mais avisadas (espera-se) serão escritas por mim próprio nos tempos vindouros.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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