terça-feira, outubro 9

Apenas um olhar

Leonor Silveira em Vale Abrãao, de Manoel de Oliveira

"(...) Era como uma fera que tem fome, um animal peqqueno ainda, mas cujo porte denuncia já todas as graças da vontade predadora. Sentia que os laços com a mediocridade e o amor dos caminhos estavam soltos; assim como soltara a massa dos cabelos pretos, também o coração perdia uma espécie de constrangimento onde, no entanto, ele bebia uma felicidade nunca mais recuperável(...)"
Agustina Bessa-Luís, Vale Abrãao, Guimarães Ed., pp. 30-31.

4 Comments:

Blogger Grupo II 12ºB said...

Um dos meus romances de eleição (apesar de leitura recente), e complemento de um igualmente poderoso (em sensações, em planos...) filme de Oliveira. Talvez se lembre de uma vez ter escrito (a propósito de A Dália Negra, penso) que livro e adaptação são absolutamente distintos enquanto obras de arte. Eu subscreveria em quase todos os casos que conheço, mas a relação (o binómio! lol) Agustina-Oliveira é uma flagrante excepção.

A minha relação ao Vale Abraão, aonde se "passavam coisas que pertenciam ao mundo dos sonhos, o mundo mais hipócrita que há" é ainda geografica. Todos os dias, a caminho da escola, na Régua, vejo-o do outro lado do rio, envolto numa fina neblina, luzindo no meio a quinta da Caverneira (no futuro um hotel&SPA, devassado como temia Maria do Loreto), amarela no meio do verde. Toujours un rêve.

P.S: Esta do "grupo II 12ºB" é porque uso a identidade colectiva criada para o blog trabalho anual de Área Projecto, justamente sobre Cinema, e aberto a sugestões. Individualmente, já o leio (ao Hugo) faz imenso tempo, e tenho uma admiração sempre crescente pelos seus escritos e ideias, inspiração também eles para o nosso esforço.

Miguel

10:37 da tarde  
Blogger Hugo said...

Muito obridado pelas palavras tão simpáticas.

Sinceramente, confesso que mesmo neste caso (apesar de serem utilizados trechos de "vale abrãao" romance na narração em off. É uma técnica relativamente comum. Basta pensar, por exemplo, na ideia de "romance filmado" de Truffaut, maxime nas adaptações da obra de Henri-Pierre Roché. Rohmer, por exemplo faz grande uso dela para dar um tom mais "literário" ao filme), julgo que os dois Universos (o de Oliveira e de Agustina) são distintos. Pode ser erro meu, mas creio que em Oliveira há, por vezes, um profundo gosto pela tortura psicológica e por um surreal lírico (ou será lírico surreal). Algo que se vê muito bem, por exemplo, no recentíssimo "belle toujours".

Aliás, é o próprio Manoel de Oliveira que diz (cito de memória): "eu faço os meus filmes. São meus. A Agustina escreve os livros dela. São coisas diferentes" Mas talvez seja necessário um distanciamento maior perante os dois para aferir se são Universos complementares, paralelos ou tangentes.

PS - Um aparte: confesso que quando passo pela zona da Régua (ou não fosse eu bom transmontano..) acabo sempre por me lembrar das sequências magníficas filmadas com o comboio em andamento. Essa evolução "urbanística" lembra-me, também, as "boutades" subversivas ditas por Pedro Lumiares sobre a política (e presentes, de forma mais ou menos latente, em muita da obra de Oliveira, maxime no "non", essa sucessão de "História de fracassos")

Cumprimentos.

1:47 da manhã  
Blogger Grupo II 12ºB said...

De facto, eu fui bastante radical no que disse, mas não pretendia de modo nenhum por em causa a originalidade ou independência de cada um dos universos. O lírico surreal (do que já vi, parece-me o mais acertado, é isso que vejo na pricesa de Clèves "contemporanizada", no ambiente de Francisca (e naquele diálogo repetido no baile) ou no galo de Belle Toujours) de Oliveira opõe-se à beleza apolínea da prosa de Agustina, e as suas reflexões psicológicas no espaço (por exemplo, os décrepitos solares durienses e seus quase selvagens jardins habitados por uma fidalguia/alta burguesia ressacada da fama que tinham nos tempos da monarquia/fascismo, como é o caso de Lumiares e, sobretudo, José Augusto), mas continua-me a parecer que naturalmente existe uma intersecção dos 2 espaços autorais, daquelas só possiveis pela amizade, admiração ou pela morte (Inteligência Artificial), não lhe parece?

Quanto aos exemplos que deu, lamento, em especial por mim próprio, desconhecê-los, mas o abandono é total por estes lados. Nem um cineclube para amostra. A solução é piratear mas 1) é díficil fazer download da maior parte dos filmes que me adoraria ver; 2) Nenhum ecrã de computador/televisão substitui a tela; seria ideal se decidissem copiar a ideia do Hugo Chavez (segundo li na Cahiers), e criar "delegações" distritais da Cinemateca. Enquanto tal não acontece, faço como o pequeno Scorsese, vejo imagens e imagino o resto...

E as narrações que citou, em filmes de Rohmer e Truffaut, são tão extensas quanto as do Vale Abraão? Estive a verificar no IMDB, e nenhum dos filmes passdos pela 2: em Fevereiro, a propósito dos 75 anos que Truffaut completaria , era adaptado de romance.

P.S: Costuma passar pela Régua? É uma surpresa! Eu também conjuro essas mesmas imagens, filmadas do comboio, quando viajo para o Porto, e aqueles primeiros quilómetros faço-os sempre em silêncio, observando. Julgo já ter divisado, dissumuladas por um monte, as palmeiras da quinta dos Paivas (exercício não recomendável a quem conduz! lol). Ah, e também dei conta, hoje de manhã, que a memória me tinha pregado uma partida (ou que alguns planos são mais fortes que qualquer memória). A quinta já não é amarela, os "senhores hoteleiros" pintaram-na de castanho, ou ocre...

P.P.S: Desculpe-me tamanha verborreia, parece que tenho tendência a alongar-me.

Cumprimentos

10:06 da tarde  
Blogger Susana Fonseca said...

Confesso andar actualmente distante dos filmes de Manoel de Oliveira, não por desilusão ou cansaço, apenas por falta de oportunidade talvez. Mas devo dizer que nos tempos em que acompanhava a estreia dos seus filmes, e de todos os filmes que já vi de Oliveira, Vale Abrão é para mim dos mais belos. E este post, com as palavras de Agustina, fizeram-me recordar o filme e sentir alguma saudade dos universos de Oliveira.

9:28 da tarde  

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