Capacete lírico
Num filme onde as sombras de Nicholas Ray imperam ou não fosse Jota um rebelde sem causa, à imagem de James Dean em Rebel Whitout a cause, talvez seja They live by night a referência maior. Na verdade, ambos os personagens nunca foram devidamente apresentados ao Mundo que os rodeia, sendo um alvo constante de incompreensão. Jota refugiou-se na violência e na solidão; Margarida numa teia de silêncios e auto-destruição. Acabam por encontrar-se, encontrando-se a si próprios e fazendo parar o tempo, algo que o próprio Cramez evidencia através de belíssimas sequências (da água a correr, por exemplo).
Cramez oferece-nos um filme de paradoxos e e contrastes. Afinal tudo gira em dois pólos aparentemente opostos e inconciliáveis: de um lado temos a dureza da linguagem, fortemente apoiada no impropério e no palavrão – afinal é precisamente o palavrão que fica bem e não um qualquer diálogo encenado – e a pureza dos sentimentos, do amor de Jota por Margarida. Tudo redunda numa obra lírica onde a rudeza de carácter apenas cede ao Amor e à Beleza. Vimos o turbilhão da vida, uma girândola de emoções, não tendo sido descuidado o retrato da realidade subjacente. Dura e agreste ou não se tratasse de Trás-os-Montes. Tudo isto na medida perfeita.
Por breves instantes acredita-se que o Cinema é capaz de nos salvar. Só esse é o maior dos elogios.
5 Comments:
assino por baixo, completamente...
eu também concordo em absoluto.
Perdoe-me descordar Hugo, mas onde vê lírismo apenas vejo auto-complacência.Sobre Trás-os-Montes...apesar de ser injusta a comparação, devo relembrar-lhe de António Reis e a sua obra-prima verdadeiramente lírica. Recomendo-lhe também, assim que estiver disponivel, o novo filme de João Canijo, também passado em trás-os-Montes e onde as emoções das personagens rompem a rudeza do seu mundo brutal.
Sim, comparar Reis a "o capacete dourado" é injusto (e incomparável). Se todos concordassem sempre isto não teria piada... :-)
certamente :-)
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