Contemplação II
Em Lundi Matin, de Otar Iosseliani, o novel amigo italiano de Vincent diz, a dada altura, Vem comigo.Vou mostrar-te a verdadeira essência de Veneza. E, contrariamente ao que poderíamos pensar, leva-o para os telhados da Cidade, dando a contemplar a Vincent toda a magnificência da cidade italiana. Por vezes, também nas relações com o Outro, essa atitude de equidistância é necessária para aferirmos da verdadeira natureza do interlocutor. É aí, na contemplação distanciada do gesto do outro, que, o mais das vezes, acabamos por ver o cinismo, o calculismo e a falsidade do gesto alheio. O quotidiano, máquina sombria que impõe o gesto continuado, o hábito repetido à exaustão e, consequentemente, obsta à reflexão sobre os gestos condicionados que vamos praticando, é, assim, um impedimento maior ao conhecimento do outro.
Precisamente por isso, Vincent abandonou o seu mundo, a sua4L, a sua fábrica e a sua família, com o objectivo de ver e conhecer o Mundo. De permeio, experimentou os pequenos (grandes) prazeres da vida e pôde aferir da essência da Humanidade que o rodeia. Adoptando, sempre, uma atitude contemplativa. Talvez todos sejamos viajantes à procura do momento certo para fugir e ver o mundo que o dobrar da esquina esconde. O que importa é a atitude com que o fazemos. Contemplativa, de preferência. Só assim podemos sorver o que a Vida nos oferece e, simultaneamente, conhecermos os que nos rodeiam, postergando as máscaras que muitas vezes utilizam.
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