quinta-feira, maio 17

O Herói sem carácter

Falar de Macunaíma, filme de Joaquim Pedro de Andrade sem referir Macunaíma, romance de Mário de Andrade* resulta impossível. Joaquim Pedro aproveitou o facto de ter à sua disposição uma obra que ditou a revolução da linguagem (no que ao Português do Brasil diz respeito) para nos dar a sua visão do Brasil.
Para o efeito, centrou-se na singular e surreal personagem Macunaíma, o índio preguiçoso, que, à custa de brincadeiras se vai transforamando consoante as circunstâncias: princípe branco, insecto, peixe e, até, pato.
Joaquim Pedro aproveita toda esta parafernália de metáforas existentes no romance para dar um retrato irónico e mordaz do Brasil (retrato ainda hoje actual e, diga-se, "exportável" para outras paragens), centrando-se apenas na metamorfose de índio preto em príncipe branco de Macunaíma. Numa adaptação muito livre da obra homónima, Joaquim Pedro oferece-nos uma ópera tropical de tons garridos. Nela está encerrado o Brasil, mas, principalmente, a natureza humana. Macunaíma é o símbolo do povo Brasileiro (facto confessado por Mário de Andrade em prefácio ao romance): preguiçoso e sem carácter. Criatura de má formação e instintos pérfidos, Macunaíma é o símbolo do oportunismo e mesquinhez que dominam criaturas cegas pela cobiça e pela inveja. Acima de tudo, Macunaíma, é, também, uma das obras-charneira do Novo Cinema Brasileiro. O mesmo que nos deu a conhecer e a admirar Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e, claro, Joaquim Pedro de Andrade.
Dá vontade de citar o final de Macunaíma (livro): Tem mais não.
*publicado entre nós pela Antígona