Pyaasa, ou do lugar do artista no Mundo
Guru Dutt é um Mestre absoluto do Cinema mundial e, ironicamente, talvez seja dos menos conhecidos e divulgados. Trata-se de alguém que foi capaz de aglutinar dois elementos distintos (de um lado o legado da Hollywood clássica e, de outro, o musical de Bollywood), instrumentalizando-os, de modo a colocá-los ao serviço da sua particular mundividência.
Nem mesmo no mais capital dos momentos, como na cena do auditório de Pyaasa, em que um poeta que todos julgavam morto reaparece, de molde a reclamar a autoria da sua obra que, entretanto, conheceu umfulgurante sucesso popular, o melodrama ou a emoção barata toldam o filme. Dutt, nos seus melhores momentos, é sempre capaz de gerir com perfeição a racionalidade de alguém que tem algo para dizer (o realizador) e de alguém que quer ver algo emocionante (o espectador). Em Pyaasa isso faz-se através de um momento sublime: Vijay (Guru Dutt) vem das sombras e, no umbral da porta de um auditório, surge em jeito crístico - como que simbolizando o seu sacríficio e da sua obra à materialidade reinante - cantando as suas mágoas e, simultaneamente, acusando o sistema que usurpou o seu legado. Aí, a música, a palavra, o movimento de câmara e a mise-en-scène (com a câmara ora aproximando-se, ora distanciando-se das personagens, reflectindo a sua relação com Vijay) atingem a simbiose perfeita. Transformam-se num corpo uno, onde cada frame é a sílaba (ou palavra, ou letra...) dos versos que vamos ouvindo. Tudo isto num ambiente que tão depressa nos leva desde a mais idílica fantasia até à mais dura realidade, sendo a música o elo que as liga e cria atmosfera necessária para o efeito.
Guru Dutt é, pois, um tesouro a ser descoberto.
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