Da estranheza da realidade
A câmara de Thomas propunha-se ser o prolongamento dos seus olhos. Mais do que um apêndice do seu corpo, a câmara seria o próprio Thomas: seria visão, tacto, olfacto, audição...propunha-se captar a realidade conforme ela se lhe oferecia. Ora lânguida, ora agitada. Feia. Bela. O seu aspecto talvez fosse o que menos importasse. Apenas contava captar a essência do real. Mas também a câmara, objecto de precisão transformado em parte do corpo, falha. Cria ilusões, induzindo a obsessão e a sensação de engano, tornando-nos incapazes de distinguir o real da fantasia. Ao ponto de a própria câmara de Antonioni, acompanhando a bola imaginária de um jogo de ténis, paulatinamente, acompanhar esse objecto abstracto que, mais do que se projectar no vazio, impõe-se, subjugando a realidade envolvente e todos aqueles que a contemplam. Simultaneamente familiar e incómoda. É essa a estranheza da realidade que nos envolve.Obriga-nos sempre a interrogar se vimos de facto ou se, pelo contrário, nos ficámos por uma qualquer sensação com sabor a real. No fim, sobra sempre o vazio do quase: sentimentos toldados pela angústia e desespero de termos tido o Santo Graal nas mãos e este se ter esvaído em fumo, e pela quietude de espírito que nos leva a desejar obter a simbiose entre matéria e espírito, diluindo-nos na própria abstracção da "realidade" que perseguimos.
6 Comments:
É o João Mário Grilo que diz que se tivesse que responder à questão "o que é o cinema?", diria que é o jogo de ténis no "Blow Up".
Game, set, match para ele.
Qual a validade/realidade das nossas percepções? Será que a verdade sai beliscada quando outros não partilham a mesma experiência?
Quando no sublime final, Thomas vagueia pela relva até desaparecer como o cadáver do parque, Antonioni rubrica a sua peculiar assinatura, levando o protagonista a escolher o grupo ilusório em detrimento da realidade desoladora. Quantas vezes desejamos tomar exacta resolução?
É magnífica a sensação de vazio que resta em nós no final. Aquele jogo de ténis é sem dúvida das cenas mais geniais do cinema, que resume em pleno um filme tão obcecado pelo real, pela essência das coisas, que acaba por redefinir a nossa própria existência e transportá-la para o campo do ilusório dos "não-rostos". Sublime!
Le Saint Graal est immatériel, parce qu'il est à l'intérieur de nous...
Só agora vi este teu post, e que post!
Este filme realmente é uma coisa extraordinária, praticamente nos obriga a um confronto com o real e a ilusão e, necessariamente, com o cinema. E necessariamente connosco enquanto seres humanos.
filmaço!
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