domingo, janeiro 21

Paris nous appartient

Paris nous appartient, obra de estreia de Jacques Rivette, foi o produto de um parto difícil. Apesar disso, estamos perante um filme de grande maturidade que, apenas formalmente, pode ser considerado como pertencente à Nouvelle Vague. É certo que vemos as ruas de Paris, tal como alguns dos cineastas que a erigiram (Godard, Chabrol e Demy) ou o gosto pela citação. Mas há um plus: Jacques Rivette.
Nas palavras do próprio, o filme consiste na história de uma ideia, que tem como auxiliar um enredo detectivesco. O que equivaleria a dizer que, ao invés de revelar as intenções no fim da história, o desenrolar da mesma acabaria por aboli-las, fazendo com que apenas existisse o lugar onde a mesma foi filmada: Paris. O que, de imediato, nos põe de sobreaviso sobre esta obra, dado que esta girará sempre entre a barreira invisível que liga o real e o abstracto.
Com efeito, Rivette acaba por mostrar-nos, simultaneamente, a vida boémia de Paris e o sentimento que assolava boa parte dos seus habitantes. Convém não esquecer que estamos na época da Guerra Fria e isso faz-se sentir de forma opressiva ao longo dos cerca de 140 minutos do filme. Esta é uma viagem à paranóia e aos meandros da teoria da conspiração. É o retrato de uma geração alienada, desligada da realidade em virtude de elaboradas elocubrações dominadas pelo medo e pelo terror.
Eis-nos, pois, perante um filme sobre uma ideia. Uma ideia que vai ganhando forma, ao ponto de levar à morte, mesmo que os motivos que levam a tal resultado nunca sejam totalmente revelados. O medo, a paranóia e a incerteza sobre o outro acabam por conduzir ao desligar progressivo da realidade e é esse retrato que nos é dado a ver. A história relativa à encenação de Péricles acaba, assim, por funcionar como fio condutor do filme e elo de ligação das personagens. Todavia, o que mais impressiona é a capacidade de, partindo de dados concretos, promover a abstracção da conspiração que, de certo modo, funciona como uma entidade leviatânica que paira sobre tudo e todos. Como conclusão - se é que, efectivamente, existe uma conclusão líquida - fica a sensação de que a vida é um rio que corre. Que, apesar de tudo o que vai acontecendo, as coisas seguem o seu rumo natural.
Dizia Truffaut que Rivette era o melhor cineasta da geração dos turcos dos Cahiers. O que é certo é que é o menos conhecido da Nouvelle Vague pelo que não será descabido afirmar que cada um dos seus filmes é um tesouro a ser descoberto (ou redescoberto). Paris nous appartient não é excepção.