quarta-feira, janeiro 3

Monsieur Bresson

Robert Bresson fazia questão em nunca recorrer a actores profissionais*. Optava sempre por amadores que eram submetido a um método rigoroso que consistia na total depuração de todos os traços/tiques de actor que o intérprete viesse a ter. O seu objectivo consistia em transformar o intérprete numa marioneta ao serviço do realizador, a quem cabia a tarefa de ditar todos os movimentos e gestos que o actor teria de tomar. Adicionalmente, Bresson exigia que os actores dirigissem o seu olhar para o chão e debitassem de forma rápida as suas deixas. Tudo isto para satisfazer o objectivo de envolver o espectador no estado de espírito da personagem, não se distraindo com a sua aparência. Grosso modo, ao espectador não cabe o papel de juiz do que se desenrola diante dos seus olhos, mas sim o de simples testemunha de um qualquer processo.
Eis um dos aspectos essenciais do ascetismo do Cinema de Bresson. A frugalidade do mise-en-scène é compensada pelas elipses, pelo tom transcendental da obra, pela utilização meticulosa do som e pela dimensão trágica da existência que que pesa sobre os seus filmes. Ficam obras de grande complexidade onde cada plano é um pequeno mistério que parece flutuar num qualquer Espaço. Bresson é, pois, um nome incontornável da Sétima Arte.
*O que não impediu que Dominique Sanda viesse a fazer carreira como actriz profissional após a sua aparição em Une femme douce.

10 Comments:

Blogger Capitão Napalm said...

Gostei que referisses o trabalho sonoro em Bresson. Nesse capítulo, poderia juntar o Costa, o Monteiro, ou o Kiarostami,outros cineastas que dedicam igual atenção a esse nível...

12:01 da manhã  
Blogger José Oliveira said...

sim, o som fundamental em Bresson, "preferia eliminar a imagem ao som" dizia ele...e a transcendência como o milagre em Rosselinni são das coisas com maior grau de emoção e poética alguma vez alcançados...

1:27 da manhã  
Blogger Stalker said...

Relativamente à utilização do som como parte integrante da imagem no sentido de uma interdependência absoluta, um bom exemplo poderá ser, também, Andrei Tarkovsky. No seu filme "Espelho" (Zerkalo), a coisa é trabalhada a um nível transcendental.

11:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Gostaria de realçar que o trabalho de som nos filmes de Pedro Costa (desde o Sangue até Juventude...) é uma das contribuições mais fortes e criativas no cinema português.
Da captação à mistura revela um trabalho de depuração, de complexidade e de expressão muito pouco comuns (e muito diferente de JC Monteiro, que é mais impressionista, simples e realista).
Se as fortes imagens dos filmes de Pedro Costa, nos maravilham, não devemos deixar de prestar atenção à construção sonora que é sempre genial. Mesmo quando parece realista é sempre muito construida.
Sobre a importância do som para Costa, é certamente importante o seu trabalho na rádio antes ser realizador e também a influência dos filmes de António Reis.

Parabéns pelo texto sobre Bresson.

11:12 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Acrescento mais dois exemplos, embora diversos, aos que têm sido referidos, como utilização genial do som como expressão depurada e abstracta: Apocalypse Now de Francis Ford Coppola e Deserto Vermelho de Antonioni.

11:18 da manhã  
Blogger Hugo said...

Uzi: muito obrigado. "Il deserto rosso" é simplesmente fantástico. Os recursos sonoros absolutamente espectrais que Antonioni utiliza transmitem na perfeição o vazio que vai pelas almas que se passeiam no écran (almas que são sugeridas, por exemplo, numa sequência em que só vemos o rosto dos protagonistas perdidos nas brumas. É como se o corpo não importasse. Apenas devem ser fixados rostos que, por acaso, estão perdidos no meio de nenhures).

Cumprimentos

12:45 da tarde  
Blogger Stalker said...

Caro Hugo,
O que quer dizer, no seu texto, com "ficam obras de grande complexidade"? Pergunto porque sempre senti em Bresson a antítese dessa expressão. O homem depurava e ficava mesmo só o essencial. Claro que podemos discutir o nosso conceito de "essencial" e é capaz de dar para uma eternidade de discussão. Será a isso que se refere?

9:38 da tarde  
Blogger Hugo said...

"grande complexidade", porque a frugalidade que nos é apresentada só é de modo aparente. Tudo é construído através da justaposição de várias camadas. Basta reparar que o recurso à elipse, por exemplo, vai contra a linearidade do enredo...tudo o que é apresentado de forma simples e depurada esconde sempre - acho eu - um grande trabalho de síntese bem como uma aglomeração de elementos díspares (como o som ou a focagem de uma mão por exemplo. Vide L'argent). Aliás, e isto diz tudo (e vale o que vale), quando Pickpocket foi estreadao ganhou logo o rótulo de filme difícil. Não há fumo sem fogo...

UZI disse algo muito similar a propósito do som nos filmes de Pedro Costa que pode ser aplicável, mutatis mutandis, a este particular.

Cumprimentos

9:50 da tarde  
Blogger Unknown said...

Últimamente tenho-me lembrado muito de Bresson. Cada vez me mete mais impressão ver actores conhecidos em certos filmes, mormente aqueles que procuram um tom realista. E é interessante observar um realizador como Mel Gibson a utilizar actores completamente desconhecidos e até uma lingua morta.

5:08 da tarde  
Blogger Pedro Ludgero said...

Bresson sempre me pareceu brutalmente simples e mansamente complexo.

5:52 da tarde  

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