domingo, dezembro 10

The Searchers, a fronteira da porta


The Searchers começa com uma porta abrindo-se para John Wayne e conclui com a mesma porta fechando-se sobre ele. É, por assim dizer, como quem uma espécie de déjà vu, uma repetição. Se à medida que a porte se abre vemos a imensidão de Monument Valley apenas cortada pelo vulto de um homem montado a cavalo, a fechar sobrará apenas o fechar da porta a essa beleza. Com essa porta, Ford lança os alicerces de uma profunda reflexão sobre o comportamento humano em territórios e condições hostis. Reflexão onde reina a dimensão trágica da perda e a vontade cega de reunir a família que resta: é a procura pela desaparecida numa jornada quási-demencial.
A porta é uma fronteira. Representa a linha que divide dois Mundos. De um lado temos o sossego e o recato da casa e, mais importante, da família. Para lá da sua soleira fica o grande desconhecido, desenhado por uma geografia imponente e por perigos inóspitos. The Searchers é, de certa forma, uma viagem na procura da segurança do lar: só em família, com os entes queridos, é que Ethan Edwards (John Wayne) estará completo. The Searchers abriu a porta para Wayne, pois ele era o elemento que faltava à família Edwards. Fechou-se sobre ele pois Wayne trouxe a desaparecida para casa. Certas coisas não devem ser vistas e talvez tenha sido essa a intenção de Ford. Deixar-nos fabular sobre o verdadeiro significado da porta que abre e fecha. Gosto de acreditar que a porta fechada, rectius, que se fecha, representa o fecho do círculo familiar. O símbolo da sua reunião. A porta é, pois, uma espécie de eterno retorno - certamente não é à toa que Wayne pega em Debbie como quando ela era criança... É o regresso ao lar que outrora fora destruído e que, uma vez reunidos os membros remanescentes, pode renascer de molde a lançar as suas sementes no futuro.

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Esta porta é uma fronteira, sim, e é reveladora de uma outra coisa: o caracter solitário da personagem. A porta é a fronteira entre a aventura (o deserto) e o descanso (a vida de família), e Wayne é um aventureiro, sem ligações (não é casado, não tinha filhos, não tem casa). É por isso que, no fim da primeira sequência, depois do jantar, ele passa a porta para ficar sozinho sentado fora do lar, e por isso ainda que na última sequência ele também fica no exterior, sempre sozinho do outro lado da porta.

6:04 da tarde  
Blogger Hugo said...

Quem sabe, sabe ! :-)

7:33 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Nuno Pires focou um pormenor importante, talvez o epicentro da história. Epicentro, no sentido do retorno (ao fim da fita) a uma condição que parece imutável apenas para Ethan Edwards. A sua condição estruturalmente solitária, o seu papel de passagem (embora pareça uma antítese, o papel de passagem, ao fim ao cabo, é sempre o mais longo).
As mudanças visíveis registadas ao longo da fita apenas se verificam no seio familiar, potenciadas pelo desaparecimento da desaparecida. Há uma missão instigada por esse mesmo desaparecimento: encontrar a desaparecida. Há um compromisso assumido por um homem que está apenas de passagem; o elemento de passagem. O elemento que, embora de passagem, invisivelmente ocupa o lugar destaque. O lugar do tempo e espaço longos, o lugar da expectativa, o lugar da esperança.
Talvez por isso sintamos que apenas o longo tempo, motivado por um plano no qual a personagem está virada de costas para a vasta paisagem, nos parece imutável. E parece bem, no meu ver.
Terminado o percurso ou a missão, o homem volta à condição primeira: a sua solidão, o regresso a um vazio que, para cá do limiar da porta (em família), não deixou de existir, apenas foi camuflado por circunstâncias de tempo curto que acabam por colocar em destaque, visivelmente, as vicissitudes familiares.
Mas tanto o Nuno como o Hugo, de alguma forma souberam reparar que há, efectivamente, uma mensagem de índole fronteiriça. Algo que, em todos nós, se encontra no limiar; entre a certezas da família e as incertezas de um mundo mais estranho para o qual nos sentimos impelidos; como se sempre houvesse um vazio a preencher para lá da porta. Algo que, enfim, habita em todos nós e por tempo longo, epicêntrico. Por oposição, afinal só o estado solitário nos poderá impelir para a família. Só o estado em família nos poderá impelir para a solidão. Terminamos sempre como iniciamos: no limiar da porta.

Grande filme. Grande Ford.

Peço desculpa ao Hugo por todo o espaço que ocupei.
Felicito-o pelos textos e, sobretudo, por esse amor à velha fita.

8:17 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

"desaparecimento da desaparecida": desculpe-me a redundância.

8:19 da tarde  
Blogger Hugo said...

Qual pedir desculpa, qual quê. Quando se dizem coisas certas não há nada a pedir desculpa. Obrigado pela visita e pelo elogio :-)

PS - desta vez o post foi mais um delírio do que outra coisa (no texto até o mostro com um "gosto de acreditar que...).

8:23 da tarde  
Blogger Unknown said...

ora aqui está a resposta para a pergunta que Peter Bogdanovich formulou a Ford :)

9:40 da tarde  
Blogger Hugo said...

Harry madox: não exageremos ! :-)

1:03 da manhã  
Blogger Pedro Correia said...

Grande texto, grande leitura do filme. Gostei muito.

1:19 da tarde  
Blogger Hugo said...

Pedro Correia: muito obrigado

12:53 da tarde  

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