quinta-feira, setembro 14

O pioneiro da Nouvelle Vague

Roger Duchesne em Bob le flambeur
Se é certo que Godard apelidou Jacques Becker de frére Jacques, não é menos certo que o verdadeiro pai do movimento, aquele que inspirou e incentivou Godard, Truffaut, Rohmer, Rivette e Chabrol a filmar foi Jean-Pierre Melville.
Acaso restassem dúvidas, bastaria um visionamento de Bob le flambeur para confirmar o que acabou de ser dito. Melville tem todos os traços que nos habituaremos a reconhecer em obras seminais como À bout de souffle ou Les quatre cents coups. Melville, cultor de um genero dito menor, o noir, acabou por desconstruí-lo, sublimando-o e elevando-o a patamares de excelência dificilmente alcançáveis, à imagem do que Sergio Leone veio a fazer com o western. Voltando a Bob le flambeur, teremos o prazer de ver o tratamento de histórias simples, banais e, simultaneamente, teremos a oportunidade de ver a Paris nunca vista. A Paris do milieu, dos pequenos marginais, dos reis de bairro, povoada por figuras curiosas, castiças, irónicas. Enfim, por pessoas que todos nós somos capazes de identificar com facilidade na rua. A isto acresce o privilegiamento - óbvio - da luz natural e do som captado ao vivo, bem como um estilo marcado não para hipnotizar o espectador, mas sim, pelo contrário, para lhe apresentar a realidade à imagem de uma qualquer reportagem.
Melville funciona, pois, como pioneiro e, mais importante, é outro dos belos exemplos que comprovam que o Grande Cinema nasce da escassez de meios. Basta lembrar que Bob le flambeur - filme que poderia ser designado, embora de forma altamente redutora, como o filme da noite e das mesas de jogo - apenas privilegiou os espaços públicos em virtude de Melville não dispor dos meios suficientes para construir cenários. E em boa hora que tal aconteceu. Só assim pode ver a luz do dia uma das obras mais singulares e marcantes do Cinema. Em qualquer caso, essa escassez de meios foi compensada pelos inúmeros movimentos de câmara que, o mais das vezes, fazem com que tudo pareça deslizar diante dos nosssos olhos. Exemplos manifestos de virtuosismo e de talento. Para fazer Cinema é quanto basta.
E assim tivemos a oportunidade de ver, antes do tempo, ambientes em tudo semelhantes aos de obras posteriores como À bout de souffle de Godard ou de Tirez sur le pianiste de Truffaut, obras maiores da Sétima Arte. Porque todos têm gurus e mentores, nunca será demais lembrar e conhecer Melville. Porque é Cinema. Porque é Vida.

2 Comments:

Blogger Ricardo said...

Embora pense que À Bout de Souffle pertence a um patamar diferente e inalcançável, este Bob le Flambeur é um filme extraordinário à sua maneira.

A memorizar: o herói de cabelos brancos, a narração cínica e divertida, as traições à la "Asphalt Jungle", e aquela rapariga sexy.

12:39 da tarde  
Blogger Hugo said...

Acho é que este Bob le flambeur consgue não ficar tão datado como à bout de souffle. Mas o que é mesmo importante é que Melville, ao adoptar a máxima de ser produtor dos próprios filmes, acabou por mostrar aos turcos o caminho certo...

11:30 da manhã  

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