Interpretações memoráveis IV
Ver Casque d'or, obra maior de Jacques Becker equivale a deixarmo-nos hipnotizar por Simone Signoret. A sua entrada em cena, insitintivamente, leva-nos a fixar o olhar nela. Signoret, em pose de diva, em tom de desafio, sem medo, segura. Becker, como se houvesse necessidade, em muito contribui para esse hipnotismo: Signoret, Casque d'Or, surge sempre deificada em virtude de uma profusa e prodigiiosa utilização de luz. Com efeito, não vimos uma mulher dos bas fonds. Graças a Becker, vimos uma deusa pairando sobre o décor, difundindo o seu charme e a sua graça. Espalhando luz, reflectindo-a. Signoret, mais do que a luz deste excelso filme, é um farol, iluminando Manda (portentoso Serge Reggiani), e encadeando o espectador.
Com auréola de divindade, Signoret passeia a sua graça, fazendo Manda enamorar-se perdidamente, tal como o espectador, absolutamente rendido aos seus encantos e incapaz de desviar os olhos desta divindade enviada para que os restantes pedaços de criação a possam contemplar. Contemplar, eis a palavra adequada. O belíssimo plano em que Manda acorda e se depara com Casque d'Or é o resumo perfeito desta visão do Paraíso. Mas sempre fica uma dúvida: vimos alguém real ou absolutamente ideal, rectius, idealizado pelo toque magistral de Becker?
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