sábado, setembro 9

Volver, ou do círculo perfeito

Penélope Cruz em Volver
Volver. Regressar, reencontrar as origens, voltar ao ponto de partida.
Num filme dominado pela morte, pela doença, pela união da família, e sem descurar as vestes do suspense e da comédia de costumes, Almodóvar faz-nos reencontrar o prazer do Cinema. Seja porque vimos o regresso de Carmen Maura ao universo do realizador, seja porque vimos Penélope Cruz falando a sua língua pátria, seja porque uma vez mais, Almodóvar reflectiu sobre as suas origens.
Um filme de regressos, mas também de dúvidas, surpresas, culpa e sentimento. Muito. Almodóvar, através de sublimes elipses mostra-nos quer um cadáver adiado que desconhece a sua sorte, mas cuja doença se adivinha, pelo seu aspecto frágil e febril (Agustina), tal como nos transporta num retorno constante entre Passado e Presente. Uma história de paralelos entre Mãe e Filha. Apenas porque a história se repete e esta mais não é do que um eterno retorno, um voltar atrás, revisitar. Dito de outro modo, trata-se regresso ao ponto de partida.
Sensível, tocante, Volver traz-nos os ecos das donas de casa que pululavam o neo-realismo italiano. Neste particular é manifesta a parecença na pose e na atitude entre Raimunda (Penélope Cruz) e a Madallena (Anna Magnani) de Bellissima. Mais do que uma homenagem de Almodóvar, este é, também, o seu modo de salientar a forte componente rural das sociedades urbanas. Tal como em Bellissima de Visconti, Almodóvar vem falar sobre o amor materno. O amor de Raimunda por Paula e de Irene por Raimunda. Mais importante, tal como em Bellissima, também houve, em tempos, um concurso de talentos em que Irene quis que a sua filha singrasse. Amor obsessivo, tal como é asfixiante a obsessão das personagens com a Morte.
A Morte antecipada quer por Agustina quer pela sequência inicial do cemitério. Através de personagens acossadas por espectros, aparentemente fantasmas, que visitam os moribundos, Almodóvar acaba por traçar um pitoresco retrato sobre as superstições e, mais importante, a forte componente rural - e também castiça - dos habitantes de uma grande cidade. Espíritos crédulos, algo tacanhos, mas sempre sinceros no sentir e na emoção. Emoção, eis o que Volver nos oferece. A mesma emoção com que Raimunda e sua irmã, Sole, se aperceberão que, a final, a sua mãe não morrera e que o seu fantasma mais não era do que um mito urbano.
Sempre autobiográfico, também Almodóvar regressou ao seu passado, desta feita recordando a sua terra natal, reflectindo sobre as suas origens e sobre as complexas teias familiares que se vão desenvolvendo, aconchegando e envolvendo os vários intervenientes. Mas não só. Volver não deixa de abordar os complexos de culpa, também eles outra obsessão capaz de conduzir ao abismo. Sejam os remorsos por matar, sejam o ressentimento pela aparente falta de afecto, a culpa surge como via única para a expiação dos pecados. E, neste particular, Almodóvar, indirectamente, dá a crítica quer de uma Espanha rural e católica, como também criticará a Espanha urbana, do lixo televisivo e dos reality shows.
Volver é o regresso de Almodóvar e do Cinema. É o reencontro do espectador com os Mestres: desde o explícito Visconti que passa na TV, passando por cenas que lembram Hitchcock - veja-se, por exemplo, a ocultação do cadáver. Almodóvar regressou. Tal como nós, que redescobrimos a emoção e pudemos perscrutar as nossas origens, pela mão de Raimunda, Irene, Sole, Paula e Agustina. E no fim, vemos a unidade da família. Todos os elos reunidos numa união indissolúvel (e, aqui, vêm-nos à memória memórias de Ozu). Porque um galho, sózinho, é facilmente quebrável, mas vários juntos dificilmente serão destruídos.
Volver. Tudo voltou a ser como era. Bem vistas as coisas, nunca saímos do ponto inicial.

9 Comments:

Blogger Paulo said...

Obrigado pelo comentário.
dada a adiantada hora não vou poder alongar-me mais.
A justiça dos julgamentos reclama, obviamente, a independência dos Juízes. E essa independência não respeitará apenas ao exercício das funções, desempenhadas em alheamento a quaisquer interferências, mas também ao recrutamento. a independência pode ficar afectada, «ab initio», por vícios de origem.
Há muito a fazer neste âmbito...
Abraço
Paulo

2:37 da manhã  
Blogger Voyages en Suspens said...

muito certas estas reflexões sobre o 'volver' que também apreciei imenso

6:30 da manhã  
Blogger Joana C. said...

A ver muito brevemente.Sou uma grande fã dos filmes de Almodovar.

8:37 da tarde  
Blogger Hugo said...

Heleninha! Joana! Que sejam bem aparecidas!

O que é altamente irónico é o facto de este ser um filme menor de Almodóvar. Gosto mais da vertente provocadora de um "Átame!" de um "Carne trémula" ou "La ley del deseo" e, obviamente, a perfeição formal de "todo sobre my madre".

E é mesmo irónico que um filme menor seja um dos melhores do ano. Mas mesmo obras menores são capazes de ser hipnotizantes. Volver é um belo exemplo disso

12:09 da manhã  
Blogger gonn1000 said...

Concordo, a emoção é o elemento-chave aqui, e Almodóvar sabe trabalhá-la como poucos. Com essa do filme menor é que não estou de acordo, mas parece que sou uma excepção.

5:03 da tarde  
Blogger Hugo said...

Gonn1000, a comparar com o perfeccionismo formal de um "todo sobre mi madre" ou com os do período quindi, este é mesmo um Almodóvar menor.

Mas já se sabe como é: opiniões. Cada um tem a sua. :-)

5:08 da tarde  
Blogger C. said...

Eu gostei muito deste filme de regressos. Muito humano, mas ao mesmo tempo tão perto do fantástico.

9:15 da tarde  
Blogger Hugo said...

Wasted: ora nem mais :-)

11:04 da manhã  
Blogger Hugo said...

Gabi, amiga! Pois,ler-me é bem mais fácil do que ver-me (vergonha, muita vergonha de Hugo Alves) E é sempre bom saber que é bom ler-me. Obrigado:-)

Beijos

7:27 da tarde  

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