terça-feira, julho 4

Interpretações memoráveis III

Giulietta Masina em La Strada

O Universo felliniano sempre se pautou pela salutar convivência entre o real e o onírico, entre o Ser e o Sonho. Se há interpretação que expressa lapidarmente a particularidade desse Mundo, ela será, provavelmente, a de Giulietta Masina em La Strada.
Gelsomina, a pobre de espírito que apenas comunica bem com a Natureza e com as crianças, vê-se vendida a Zampanò, que a transforma na sua companheira de estrada na dura vida de saltimbanco. Apesar dos maus tratos e da violência com que é tratada, Gelsomina nunca deixa de comover o espectador, com a sua face expressiva, terna, sonhadora e, de certo modo, alheada. Ante as adversidades com que se depara, Gelsomina responde ora com um sorriso trapalhão ora com um encolher de ombros. E, a final, tal como o espectador, descobre que todas as coisas do Mundo têm um sentido.
Só assim se percebe o porquê de amar Zampanò, apesar da sua truculência. É essa uma das lições de La Strada: o amor e a amizade surgem nos locais mais inesperados. Um amor tão forte que, mesmo, apesar de abandonada à beira da estrada, Gelsomina continuará a tocar, até morrer, a canção outrora ensinada por Il Matto, o guardião do mapa do seu (e do nosso) Universo. Mais do que mero figurante, também Gelsomina teve um papel principal nesta estrada em que todos nos lançamos, lembrando que, o mais da vezes, as coisas simples e puras é que contam.
E, dese modo, não mais sairá da memória do espectador o jeito trapalhão e dócil de Gelsomina, pobre de espírito, mas rica nas emoções e no actuar e sentir verdadeiro...

5 Comments:

Blogger C. said...

Tenho cá o filme para ver e ainda não lhe peguei. "Maldito" 24 que me rouba as horas...

Até hoje, o único filme que vi do Fellini foi mesmo o que dá título ao teu excelente blog :)

1:14 da tarde  
Blogger Hugo said...

Ah...o Amarcord, apelidado por muitos o mais belo filme do Mestre! (por acaso, foi dos primeiros filmes sobre que escrevi, logo no princípio deste espaço - ainda em Janeiro, acho). Gosto muito deste "La Strada". É o primeiro passo na afirmação do "estilo Fellini" e, talvez por isso, simultaneamente o mais inocente (e dos mais bem conseguidos). Gelsomina é que faz a ligação entre esses dois Mundos e fica na memória, entre o Sonho e Verdade, Ilusão e Realidade. No limbo, na corda bamba, enleando-nos, hipnotizando-nos e, simultaneamente, apaixonando-nos...

Excelente blog? Se tu o dizes...ora muito obrigado por tão simpáticas palavras! :-)

Acabei de me lembrar que tenho de fazer um textito sobre o La dolce vita e, mais importante, sobre o Mestre. Mal as tarefas de tentativa de agregação e os meus relatórios de mestrado deixem, fá-lo-ei!

9:14 da tarde  
Blogger C. said...

Cá espero ;)

9:34 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Bem "bonito", sim. Bonito na aparência e bonito no significado. De resto, acho bonita" a palavra "bonito", na sua simplissidade. Acho o seu blog realmente "bonito" de espírito, de emoção. Não li ainda tudo, mas do que li, gostei. Há paixão pelo cinemanas linhas. LA

11:44 da tarde  
Blogger Hugo said...

Caro LA, muito obrigado (renovado!) por tão simpáticas palavras! Já agora, uma sugestão: e que tal informalizar o trato? :-)Afinal de contas, nao estamos em nenhuma cerimónia académica ou similar e eu, sinceramente, prefiro :-)

Abraço!

9:36 da tarde  

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