quarta-feira, janeiro 25

Zorba, the Greek

À partida parece fácil resumir "Zorba, o Grego": a história de um tímido escritor inglês (Basil) que herda uma velha mina em Creta e que acaba por contratar como ajudante um homem que conhece no porto (Zorba), enquanto espera pelo embarque. Pelo meio, já em Creta, apaixona-se por uma jovem viúva, que desperta os desejos de todos os homens cretenses. Como tudo se passa na Grécia, há que ter o devido fim trágico, e a viúva é assassinada no largo de uma Igreja em virtude de um dos seus pretendentes se ter suicidado. Caso típico de vindicta privada, portanto. O que é muito curioso é o facto de ser uma cena em tudo semelhante À da peça "O crime da Aldeia Velha" de Bernardo Santareno. Saliento a emoção com que é filmado o momento em que a viúva é acossada. Através de uma câmara móvel, de modo a exprimir o desespero e a reacção animalesca da viúva, qual raposa refugiada na sua toca receando os caçadores...
Alan Bates e Irene Papas em Zorba, o Grego
Se tivermos em consideração que o livro é a adaptação do romance Alexis Zorbas de Nikos Kazantzakis, poderemos ser tentados a afirmar que estamos perante uma obra menor, pois, como é consabido, reina a velha máxima de que o livro nunca é superado pelo cinema.

Se pusermos de lado, este último pormenor, abstraindo-o momentaneamente, verificamos que Michael Caccoyannis faz uso de alguns dos ensinamentos dos neo-realistas. Um exemplo: boa parte dos actores é amadora. Mais não é do que a população da ilha de Creta, o que, confere, indelevelmente, maior realismo e credibilidade à história (um exemplo clássico deste recurso é o fantástico "la terra trembla" de Luchino Visconti).
A composição estética do filme é sempre muito simples, o que ajuda em muito a concentrarmo-nos nos longos e profundos diálogos travados entre o histriónico Zorba (magnífico Anthony Quinn) e o tímido Basil (eficientíssimo Alan Bates). E é precisamente aí que reina a grande força do filme: Caccoyannis retira as principais lições do romance, permitindo-se fazer desfilar as misérias e esplendores da existência humana: a profunda necessidade de aproveitar ao máximo tudo o que Vida oferece, desde a mais simples das amizades, passando por uma refeição ou a luta pelo Amor de uma Mulher. Dito de outro modo, temos o horaciano carpe diem em todo o seu esplendor.
Em Zorba, temos tudo isto, aparecendo Basil como o verdadeiro case study (uma cobaia de Zorba?) e Zorba como o agente provocador, uma projecção do Super Homem de Nietzsche: vital, histriónico, confidente e, humano, o que leva a que proceda à anàlise das coisas de um ponto de vista emocional, mas pragmático. Mas nunca através de um prisma puramente racional.
Anthony Quinn e Alan Bates (emoção vs razão)
Há filmes de muito maior valia técnica, bem sei, mas Zorba tem o condão de tocar fundo na minha Alma. Faz-me reflectir, viajar às profundezas do meu "EU", tentando descobrir-me e melhorar-me e isso, creio, é o mérito de um bom filme. No meu caso, o filme da minha vida.
Recordarei hoje e sempre a cena final em que, finalmente, Basil deixa de recalcar as emoções e após a derrocada de uma construção feita por Zorba, pede para ter aulas de dança. E é aí, em plena aula, ante a interrogação "Hey boss, did you ever see a more splendiferous crash? ", liberta o seu verdadeiro eu, rindo, como nunca fizera em todo o filme e, provavelmente, em toda a vida.
A banda sonora de Mikis Theodorakis é inesquecível, tal como é esta aula de dança, verdadeiro hino à Amizade verdadeira e desinteressada entre os Homens.
Anthony Quinn e Alan Bates, um hino à amizade
Acima de tudo, afigura-se essencial não menosprezar a adaptação de Caccoyannis, pois a adaptação de um livro de forte cariz filosófico não é tarefa fácil e, neste caso, foi feito de forma muito eficiente e, acima de tudo, sem grandes pretensiosimos de se criar "cinema-arte". Na verdade, creio que o filme foi feito na lógica do póquer: pagar para ver. Uma aposta muito bem conseguida e que consegue sobreviver muito bem ao passar dos anos, tal como um bom Vinho do Porto.