Ser Apicella
Um dos aspectos que mais impressionam nos primeiros filmes de Nanni Moretti é o seu alter-ego: o sarcástico, obssessivo e depressivo Michele Apicella, o género de personagem cuja mera existência incomoda, tal é a sua capacidade de dizer verdades indesmentíveis com uma crueza e frontalidade sem par. Apicella, tal como o seu criador, é incómodo: pensa alto, diz o que pensa e não olha a quem quando o diz: usando de muitos lugares comuns, Apicella (Moretti) desfia todas as suas frustrações e desmonta todas as incongruências de um país e de uma classe. Mais do que um exemplo do narcisismo de Moretti, Apicella é uma consciência viva e um libelo acusatório contra todos. É, também, amor ao Cinema e crítica à sua degradação em consequência da sua mercantilização e espectacularização. Primarismos ideológicos à parte, Apicella é o género de personagem por quem nutrimos uma relação amor-ódio profunda, tal é a sua facilidade de, em segundos, passar da abjecção à comoção. É um sentimento ambulante.
Precisamente tudo o que surge em Ecce bombo, Sogni d'oro e Bianca e que Moretti apenas abandonou formalmente nos filmes posteriores.
3 Comments:
O que mais me impressiona nele não é o 'alter-ego', mas o 'grandis ego'. O Moretti deve ter o maior ego da história do cinema, é um galo fanfarrão e presumido. No Caimão, o grande assunto do filme é ele próprio e não o Berlusconi; e o próprio Moretti, actor medíocre, tem mais tempo de ecrã que um dos maiores actores italianos do nosso tempo, o Michelle Placido.
Depois de ler o comentário lembrei-me de uma tirada do Sogni d'oro: "eu sou o único realizador em Itália com talento" :-)
A esses apicella juntava um fundamental: o padre de La Massa é Finita. O apicella mais dorido, magoado e adulto num grande papel de moretti. Talvez o flávio devesse dar uma vista de olhos por esse filme antes de utilizar termos como "actor medíocre".
abraço cinéfilo
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