Cinema sobre Cinema (!?)
i) Eis o mui inovador (mini) ciclo sugerido à Cinemateca.
ii) O Daniel, com razão, afirma que não estamos perante algo original.
iii) O Francisco, com igual razão, ressalva que se Mulholand Drive e In a lonely place estão incluídos na categoria, qualquer filme é um filme sobre cinema.
Por via de regra, um filme sobre filmes acaba por ter imanente uma reflexão profunda sobre o Cinema e as suas relações com os espectadores e com as obras feitas por outros. É isso que vemos, por exemplo, em Le mépris, de Godard (em bom rigor, em qualquer filme feito por um cinéfilo isso acontece. À cabeça, vejam-se os companheiros de armas da Nouvelle vague). Até o celebérrimo Nuovo Cinema Paradiso faz isso.
Mais: um filme sobre filmes é, sem sombra de dúvida Onde jaz o teu sorriso, de Pedro Costa. Basta ter presente que é um filme que, partindo da montagem de Sicilia!, aborda uma concepção de Cinema e um modo (peculiaríssimo) de fazer filmes. Lembro-me igualmente do filme que "baptiza" o blogue que propôs o ciclo, mas, também, uma outra visão do Cinema e do seu mundo peculiar: Kaagaz ke phool, de Guru Dutt.
Ademais, o filme sobre filmes pode ser uma coisa pós-moderna. Pode, pura e simplesmente, ser construído sobre um conjunto de obras prévias que servem de catalisador para criar, rectius recriar um género. E, assim, poderíamos ter Once upon a time in the west de Leone ou um qualquer policial estilizado de Jean-Pierre Melville: Le Cercle Rouge, que, como Le Samouraï, até tem um diálogo salutar com o Cinema oriental.
Esta não é uma questão de má vontade: pura e simplesmente, a escolha dos filmes do (mini) ciclo (metade deles!) é má (leia-se forçada) e desligada* do tema que lhe está na base. Erros à parte, é um (mini) ciclo tão inovador, como o eram as constantes projecções de Hitchcock na mesma esplanada.
Já agora, e à guisa de sugestão, por que não dar a voz quem percebe mesmo disto? Dar carta branca a realizadores da praça para organizar pequenos ciclos. Algo que, recentemente, foi protagonizado por Jorge Silva Melo.
Sugestão II (e só porque se fala, também, da Cinemateca Portuguesa): e uma retrospectiva dedicada à "docu-ficção" portuguesa? De Belarmino, de Fernando Lopes à obra de António Reis, passando pelo actual Pedro Costa e pelo Acto de Criação, de Oliveira, vai um conjunto de filmes que carecem de ser divulgados conjuntamente e não de forma espúria.
Sugestão III - Pensando bem, um ciclo dedicado ao Cinema Novo Brasileiro também seria algo interessante. Estranhamente, por cá, contrariamente à ficção para dona-de-casa desocupada criada além-Atlântico, não parece ser muito conhecido.
* obviamente, não se descarta a possibilidade de eu estar absolutamente errado...
16 Comments:
Este comentário foi removido pelo autor.
É, de facto, pobre o ciclo... Acrescentasse-se "Peeping Tom" e a coisa até poderia ser minimamente coerente...
Cumprimentos cinéfilos!
Eu penso de compreender a tua reflexão. Em síntese o filme sobre filmes possui o sentido vero é intimo do Cinema que sai do filme por suscitar na mente dos expectadores outras imagens, outras situações ("À cabeça, vejam-se os companheiros de armas da Nouvelle vague").
Se MULHOLLAND DRIVE não é uma das supinas e singulares manifestações de filme sobre filmes, enforco-me com película em praça pública. Serão tantos os que habitam tão ferroadamente no passado que lhe passam completamente à ilharga obras-mestras contemporâneas? É impressão minha ou uma bela fracção de indivíduos masculinos que procuram desesperadamente evidenciar um vínculo à paixão pelo cinema manifesta diversos sintomas de SPM? Um copinho de leite morninho e cama não será o suficiente para acalmar vossas constantes urticárias. Ou será que tudo uma forte dor na ligação do úmero ao cúbito e ao rádio? De uma desesperado saltitar para dizer: "Presente! Eu conheço a Nouvelle Vague... hmm... o expressionismo alemão... hmm... o neo-realismo italiano... hmm... eu conheço Fassbinder e tal..."...
Gustavo: não existisse o artigo 135.º do Código Penal e eu respondia à letra à primeira linha do comentário.
Não há problemas de dor de cotovelo ou afins (note, por favor, que agradeço penhoradamente a lição de anatomia que, no caso, era desnecessária).
Acontece que Mulholand Drive não entra no tema nem por nada (e, note, por aqui não se contestou - longe disso - a valia da obra). Acontece que, pelo menos para mim, o facto de o enredo contar com profissionais do meio cinematográfico não chega...respondo-lhe com uma pergunta: consideraria "White dog" um filme sobre filmes? Afinal, até se tecem comentários sobre o meio por lá. E "Prima della rivoluzione"? Idem.
Quer um filme sobre filmes recente? "Il caimano".
O facto de o filme de Lynch usar constantemente o binómio "real/irreal" - algo que é apanágio do Cinema - justificará a inclusão? Sinceramente, penso que não. E "In a lonely place", filme que muito gosto, é sobre filmes? Porquê? Porque o Bogey faz de argumentista? Claro que não. Obviament, são opiniões.
De qualquer modo seria bem melhor terem-se lembrado de Dziga Vertov, por exemplo.
Grato pela visita,
Adenda: a propósito disto do meta-cinema, lembrei-me de outro filme que vi recentemente: "Irma Vep", do Olivier Assayas.
Também teria sido uma escolha interessante e bem mais acertada...
Tenho estado a acompanhar a estimulante discussão e prometo não voltar a interromper mas gostaria apenas de fornecer a seguinte informação: foi a própria Cinemateca que indicou o In a Lonely Place, para subtituir um dos filmes que tinhamos sugerido e que não estava disponível. Carry on. DM
Ilustre DM,
todas as interrupções são sempre recebidas de bom grado.
Esquecer "Le Mépris" deveria ser punido por lei.
"Où gît votre sourire enfoui?" e "Irma Vep" sao duas outras obras pos-modernas indispensaveis. Excelentes sugestoes, Hugo.
Acrescentaria ainda "Der Stand der Dinge" de Wenders.
Se calhar a "noite Americana" também poderia estar incluido...
Desculpem lá mas é como as cerejas...The Bad and the Beautiful , Beware of a Holy Whore (em alemão parece-me imprenunciavel), Stardust Memories do Allen (é o meu favorito dele), Sunset Boulevard, Close-Up do Kiarostami, David Holzman's Diary, Last Action Hero, Living in Oblivion, Lisbon Story, Vertov, Barton Fink, The Player do Altman,A Star Is Born do Cukor, Boogie Nights, Sullivan's Travels..ufa!
"Cuidado com a santa puta!" (Warnung vor einer heiligen Nutte) não é assim tão impronunciável. É uma questão de hábito. :-)Quanto ao resto..que dizer? Uzi, o meu leitor (mais) atento e,provavelmente, o mais exigente no seu melhor.
Um grande bem haja!
Danke Herr Hugo
Olá Hugo.
Andei um pouco afastado mas verifico que o seu blog continua a ser de grande qualidade.(dos melhores da Blogosfera do Cinema)
Abraço e até breve.
naõ posso estar mais de acordo com toda esta discussão. a selecção é disparatada mas ainda mais disparatada conseguem ser as opiniões do sr. gustavo. mas de facto, há opiniões para tudo. Filmes sobre filmes ou o cinema no cinema é um tema tratado variadas vezesm, havendo mesmo um festival dedicado exclusivamente a esse tema e não acredito que o filme do Lynch se enquadre na temática. todas as outras sugestões me parecem muito mais acertadas sobretdo "A Noite Americana", né?
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Filme da apresentação disponível no YouTube em “Camarada Choco”
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