terça-feira, junho 5

O medo come a alma


Dizia o Luís Miguel Oliveira n'"O Público" que Fassbinder não fazia filmes. Fazia bombas. Angst essen Seele auf talvez seja um dos melhores exemplos para ilustrar essa afirmação.
Basendo-se no argumento de All that heaven allows, de Douglas Sirk, Fasbinder busca o extremo e a provocação máxima. Ao mostrar-nos - porque é, literalmente, do que se trata: mostrar - a história de uma viúva sexagenária que se apaixona por um emigrante árabe vinte anos mais novo, Fassbinder, de uma penada, ataca a moral e a ordem pública alemãs vigentes: vemo-nos no meio de preconceitos raciais, crises de identidade profunda do povo alemão, sempre emoldurados pelo sentimento agónico que pauta o seu Cinema: a busa incessante de uma felicidade que ora teima em fugir ora teima em esconder-se numa gruta qualquer.
Em Angst essen Seele auf deparamos, ainda, com a sensação de alienidade, da incapacidade de pertença a um microcosmos. Não se trata, apenas das dificuldades linguísticas dos estrangeiros. Pelo contrário, em Ali, cada Ser é um ilha isolada num oceano de incompreensão, mesquinhez e inveja. Trata-se - com as devidas distâncias - de um retrato levado ao extremo do sentimento trágico da Vida. Citando Unamuno, que aqui encaixa que nem uma luva: o amor é um egoísmo recíproco ou, ainda, o amor é filho da ilusão e pai da desilusão. Um duplo vértice presente de forma dominadora nesta bomba, onde a câmara é, o mais das vezes estática, para, num ápice, nos brindar com um sinuoso travelling que visa aproximar-nos do pathos das personagens.
Sobra, apenas, uma certeza Das Glück ist nicht immer lustig.